3.12.11

                                   
                                    
O PODER EXECUTIVO CENTRAL E O DESGASTE DE SEU MINISTÉRIO

                      
Para Tito, amigo inesquecível.
                                   
Iraci del Nero da Costa
                                 
                                
A meu juízo, ao considerarmos o processo concernente ao relacionamento entre as atitudes e resoluções de nosso Congresso Nacional e os interesses nacionais e da massa da população brasileira devemos emprestar peso dos mais elevados, quando contempladas as últimas décadas, ao grau de dependência do Poder Legislativo federal em face dos governantes instalados no Poder Executivo central.
                                 
Assim, no correr das aludidas décadas ocorreu, no período de formulação da Constituição Federal de 1988, a maior aproximação entre a ação e as preocupações do Legislativo Federal e as necessidades populares e nacionais. Instituída a nova Carta Magna, voltou a predominar o secular hiato entre aquele poder e o eleitorado e seus problemas. Lembre-se aqui que o impeachment de F. Collor (1992), ato este amplamente respaldado pela quase totalidade da população brasileira, representou, antes de tudo, "a devida resposta a ser dada ao presidente" pelos membros do Congresso, os quais se sentiram aviltados e desafiados por um presidente da República inebriado pela falsa impressão de que era um ser onipotente. Destarte, os parlamentares não acolhiam os reclamos vindos das ruas, mas, tão só, retaliavam um presidente que pretendeu fazer-se surdo ante as inumeráveis "exigências" de "bases parlamentares" ávidas de fazerem-se mudas.
                               
O afastamento referido acima viu-se alargado com a ascensão de FHC, pois, no decorrer de seus mandatos aprofundou-se – dada a conhecida compra de votos a fim de possibilitar sua reeleição – o controle do Congresso pelo Executivo. Tal fenômeno ganhou dimensões imensamente maiores desde o início do período de governança do sucessor de FHC; deu-se, assim, mediante práticas escusas ou abertamente criminosas, a atração do Poder Legislativo com respeito ao Executivo visando a atender aos objetivos e metas políticas desse último.
                               
A centralização da vida congressual em torno do Executivo afastou o Legislativo de seus tênues vínculos com a massa da população e dos eleitores de sorte a fazer com que tal poder passasse a ser concebido como mero apêndice do Executivo, inteiramente desvinculado do eleitorado e descompromissado quanto às reivindicações e carências populares. Seus móveis passaram a ser quase exclusivamente os interesses de seus integrantes e aqueles apontados pelo seu dominador, vale dizer, o Governo central.
                               
Quanto às episódicas divergências entre os dois poderes em foco, deve-se ter presente que, em sua imensa maioria, as "resistências" oferecidas pelo Legislativo são apadrinhadas por grupos de parlamentares ou por agrupamentos partidários os quais pretendem ver atendidas suas solicitações de caráter puramente fisiológico. Trata-se apenas, pois, de "vender" por preço mais alto a decisão almejada pelo Executivo; o voto transforma-se, assim, em mera mercadoria, em meio de troca com o qual se procura alcançar as benesses perseguidas pelos referidos grupos ou agrupamentos.
                            
Na verdade, os muitos casos de corrupção e falcatruas de variada ordem, perpetrados nas mais distintas esferas da administração pública, acompanhados que se viram de generalizada impunidade, assim como a maneira abúlica com que foram recebidos pelo Governo central, funcionaram, sem dúvida, como poderoso acicate sobre os parlamentares, levando-os a servirem-se, agora farta e desabridamente, dos tradicionais e costumeiros expedientes fraudulentos. Ações concretas para o afastamento de figuras corruptas dão-se, em sua imensa maioria, em decorrência das denúncias efetuadas pela mídia impressa, televisiva e falada; note-se, não obstante, que a elogiável vigilância da imprensa, não tem exercido efeito inibidor maior sobre nossos políticos, pois os casos de malversação repetem-se com assiduidade denotadora de total descaso quanto a eventuais denúncias.
                                   
Caso as impressões ora expendidas correspondam à realidade, pode-se concluir que a "piora" recente do Congresso não derivou, tão somente, de seu próprio movimento rumo ao descalabro, de nossas taras políticas atávicas ou da "má" escolha efetuada pelos eleitores. Não, como avançado, impõe-se a verificação de que a degenerescência aqui denunciada deve-se, sobretudo, ao amoldamento de grande parcela de nossos parlamentares às práticas crescentemente abusivas e danosas implementadas ou permitidas pelo Poder Executivo federal. Este último, além do mais, exara um número despropositado de Medidas Provisórias, muitas das quais sem qualquer elemento de relevância ou urgência que as justifique; dessa forma, como repisado pelos analistas, o poder de legislar emprestado ao Executivo central desvaloriza ainda mais nosso parlamento.
                                            
Ademais, podemos encontrar em fatos atuais, ora ainda a se desenvolverem sob nossas vistas, elementos capazes de corroborar a conclusão acima posta, pois, como fartamente anotado pela imprensa diária, o primeiro escalão nomeado pela atual presidente da República viu-se devidamente impregnado por algumas figuras comprometidas com métodos espúrios relativamente ao tratamento do dinheiro público; trata-se, como documentado, de ministros colhidos no Senado ou na Câmara Federal e cujas ações representaram graves deslizes quanto ao destino que emprestaram a recursos públicos colocados à sua disposição; cinco deles foram demitidos nos quadros de ações às quais emprestou-se o apodo de "faxina", limpeza essa com caráter reflexo já que devida às denúncias efetuadas pela mídia impressa e falada. Não obstante, ainda restam em seus cargos ministros sobre os quais pesam graves acusações e suspeitas; com respeito a eles a presidente da República tem-se mostrado passiva à espera da anunciada reforma ministerial prevista para o início do ano entrante. Tal atitude, embora seja compreensível do ponto de vista político – já que a presidente quer evitar o desgaste causado por demissões recorrentes – revela-se absolutamente inaceitável do ponto de vista ético, pois é de se esperar do mandatário maior da Nação uma resposta inflexível e imediata em face dos assim chamados "malfeitos" cometidos por seus subordinados. Caso essas pessoas permaneçam por tempo indevido nos cargos para os quais foram nomeadas e se não houver uma verdadeira devassa nos órgãos cujos integrantes cometeram atos criminosos estaremos em face do aprofundamento do comprometimento do Poder Executivo com respeito à violação das normas e leis que nos regem.