9.2.09

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NÃO CUSTA TENTAR...
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, fevereiro de 2009

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No Brasil, a política assistencialista do governo central parece estar condicionada por alguns elementos passíveis de identificação. Assim, a presença da chamada população redundante, (1) a ausência de uma política agrária apta a socorrer, de maneira efetiva e produtiva, as populações mais carentes do meio rural e de uma política industrial (que deveria prever a existência de empreendimentos votados à produção deste ror de bugigangas oferecidas por camelôs e nas "lojas do quase um", e sabiamente produzidas pelos chineses) e de um plano de investimentos infraestruturais destinados a gerar empregos em larga escala para a porção não qualificada de nossa mão-de-obra, bem como os altos custos incorridos na manutenção de juros muito elevados (o que absorve uma parcela substantiva dos gastos públicos para a manutenção de sua dívida) corresponderiam a alguns dos itens do rol de tais fatores explicativos. A conjugação do quadro acima delineado com as vantagens eleitorais advindas do alargamento de práticas assistencialistas pré-existentes encontram-se na base da atuação desenvolvida pelo atual governo Federal em torno da ajuda às famílias de baixa renda institucionalizada no programa Bolsa Família. (2)
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Embora modesto, tal auxílio conhece o amplo reconhecimento da parcela populacional por ele favorecida, absorve uma parte muito pequena dos gastos públicos e representa ganhos político-eleitorais reconhecidamente dos mais altos. Ademais, ainda que consideremos tal "solução" absolutamente precária – pois representa verdadeiro retrocesso político em termos dos almejados avanços democráticos e dos direitos de cidadania –, não implicava ela, até desencadear-se a atual crise econômica, um perigo imediato com respeito à manutenção dos direitos dos trabalhadores consignados em nossa Constituição e em outros diplomas legais.
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Na verdade, a crise ora vivenciada em escala planetária, além de outros gravames da mais variada ordem, colocou-nos em face de dois novos riscos, um menor, qual seja o da ampliação das aludidas ações assistencialistas (um verdadeiro coronelismo governamental), e um outro, bem mais alarmante: o de vermos feridos e apoucados alguns dos referidos direitos trabalhistas os quais conheceriam alterações de modo a serem substituídos por procedimentos de caráter assistencial.
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Enquanto aquele primeiro já foi materializado em determinações do poder executivo nacional, este último ainda não se viu consubstanciado em normas gerais ou em acordos entre entidades empresariais e sindicais.
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Destarte, noticia a imprensa: "O Bolsa Família, principal programa social do Planalto, passará a atender mais 1,3 milhão de famílias... O limite de renda para obter ajuda federal subiu de R$ 120 para R$ 137 mensais por pessoa. O governo também dará merenda escolar, antes restrita aos ensinos infantil e fundamental, aos alunos do ensino médio da rede pública. Medida provisória assinada ontem prevê R$ 322 milhões para os 7,3 milhões de estudantes dessa faixa." (3) Conquanto simpática, nunca faltarão políticos e analistas para os quais tal MP define-se como mais uma barretada dirigida ao eleitorado de 2010 pelo atual presidente da República.
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De outra parte, como avançado, é possível denunciar em algumas declarações colhidas aqui e ali opiniões que, sem tomar na devida conta as regras ora existentes, (4) apontam, quase sempre veladamente, na direção da transformação de atuais direitos em medidas de feição assistencialista.
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Fala-se, assim – difusamente e sem especificar claramente mecanismos efetivos –, em flexibilização do emprego, das leis trabalhistas ou de contratos de trabalho; também é lembrada, com insistência, a necessidade de se ampliar o seguro-desemprego. (5) Enfim, mostra-se sempre presente a idéia de repassar, para o próprio trabalhador ou para o Estado, parte expressiva dos custos correspondentes à manutenção do pessoal empregado e de sua demissão quando esta vier a ocorrer; este é, em última instância, o significado emprestado pelo mundo empresarial ao termo "flexibilização".
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A meu juízo, tais proposições muito dificilmente ver-se-ão corporificadas em regramentos legais, pois o movimento sindical já demonstrou estar alerta quanto às investidas destinadas a contrariar direitos adquiridos pelos trabalhadores. Não obstante, assim como "não custa tentar" diminuí-los, nada custa chamar a atenção contra os espíritos mal-intencionados cuja proliferação vê-se acirrada em tempos de crise.
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NOTAS
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1. Sobre este conceito veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. População redundante: tópico para a agenda do século XXI? Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 153, p. 14-16, 1993.
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2. Sobre estas questões e outras mais concernentes ao Bolsa Família e seus efeitos, veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, abril de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? São Paulo, texto com divulgação pela Internet, agosto de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007.
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3. Folha de S.Paulo. São Paulo, 29 de janeiro de 2009, p. A1.
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4. Conforme as normas legais vigentes existem ao menos cinco maneiras de acomodação das relações entre a empresa e seus empregados em face de situações excepcionais e visando a evitar demissões: a. sistema de banco horas; b. férias coletivas; c. licença-remunerada; d. suspensão temporária dos contratos de trabalho; e. redução da jornada de trabalho e dos salários.
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5. Evidentemente, não deixam de ser enfatizados outros itens – tais como estímulos fiscais, redução de impostos, ampliação do crédito, rebaixamento dos juros e dos spreads bancários – que compõem o arsenal disponível para o enfrentamento de crises econômicas. Apela-se, também, para a revivescência ou intensificação de práticas protecionistas.
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