28.10.08

ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2008: ALGUMAS ESPECULAÇÕES
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, outubro de 2008

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Embora vincadas por seu caráter municipal, o qual, como querem os analistas, impõe limitações a eventuais generalizações que se deseje fazer, as eleições de outubro de 2008 propiciam, a meu juízo, algumas estimulantes e verossímeis especulações de fundo genérico. Trata-se, no caso, de fixar, com base nos resultados observados, elementos capazes de lançar um pouco mais de luz sobre as características da quadra política na qual nos encontramos. Vejamos, pois, alguns desses pontos.
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Excluído o entorno da capital paulistana, o PT consolidou-se como o partido dos muito pobres e dos muito ricos (leia-se donos do capital financeiro). Tal opção – a primeira derivada, sobretudo, do episódio do "mensalão"(1) e esta última determinada pelo próprio clima que antecedeu a primeira eleição presidencial de Luiz Inácio da Silva e configurada nas altas taxas de juros arbitradas por seu governo (o presidente do BC não passa de uma figura meramente conveniente) – deixou ao desalento as "antigas" camadas médias, as quais voltaram(2) a sentir-se, como reza, aliás, sua "velha" tradição, mais bem resguardadas quando representadas por siglas afinadas com o espírito do PSDB e do PMDB (excluo desta afirmação o pequeno número dos ditos "esquerdistas" e/ou "mais conscientizados" cuja preferência é mais "refinada" e recai sobre siglas como o PSOL e o PV). De toda sorte, e este é nosso argumento central, o PT definiu-se claramente como o partido dos detentores do capital financeiro e dos muito desvalidos. Aos primeiros destina polpudos juros; serve-se dos segundos, mediante a distribuição de migalhas que constituem um verdadeiro clientelismo de Estado, para angariar apoio político e votos.
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Correlatamente, tanto o PSDB como o PMDB saíram revigorados destas últimas eleições municipais. Distinguem-se, ademais, como parceiros ideais (talvez os únicos disponíveis por ora); seriam eles capazes de carrear, para eventuais alianças, os votos das assim chamadas antigas camadas médias, pois não está claro para onde penderão os votos dos que se viram muito recentemente – graças às políticas assistencialistas do atual governo federal, como afirmado por alguns pesquisadores – inseridos no andar inferior das camadas médias.
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Tal parcelamento do eleitorado torna possível aos demais partidos – excluído aqui o DEM, cujo papel ainda não ficou claramente definido – reconhecerem-se nitidamente como meros coadjuvantes de quarta categoria ou como grupamentos "ideológicos", cuja única função, ao menos por ora, é a de carregarem com dignidade as bandeiras de suas utopias.
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Embora as afirmações postas acima pareçam razoáveis e expressão das condições reais, elas pouco valem sem a consideração dos atores de carne e osso aos quais devem ser referidas e a quem, em última instância, caberá decidir sobre os rumos de seus partidos e das alianças a serem constituídas.
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Poder-se-ia dizer que a primeira postulação diz respeito ao presidente da República e não ao PT. Conquanto exista uma distinção bem marcada entre um e o outro, o próprio fato de o presidente ter conhecido "derrotas" em municípios com relação aos quais empenhou-se mais intensamente nas eleições municipais em foco trabalha a favor da corroboração do argumento em causa, vale dizer, ele permanece, independentemente de o presidente ser ou não capaz de transferir votos. Já quanto à relação entre o PSDB e a figura do governador de São Paulo não se pode dizer o mesmo, ou seja, a postura dominante de José Serra, cuja autoridade saiu reforçada das eleições, parece inviabilizar qualquer possibilidade de pacto entre petistas e peessedebistas. Pode-se medir a "força" de Serra observando-se os movimentos do governador Aécio Neves dos quais resultou a candidatura de Marcio Lacerda, do PSB, apoiada pelo PSDB e pelo PT. Quanto ao DEM, como avançado, caber-lhe-á, por ora, um papel secundário, porém não desprezível. Ao PMDB faltam figuras dominantes, capazes de impor-se nacionalmente; aliás, é justamente este o perfil do partido: grande e poderoso, influente e sempre atrelado ao poder e a cargos que lhe propiciam a manutenção de grandes bancadas e um número generoso de prefeituras, porém infenso a grandes vôos solitários porque cioso de seu papel de "primeiro-aliado".
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Enfim, embora as três conclusões maiores anotadas na abertura deste texto sejam mais ou menos óbvias e simplistas, são elas robustas o bastante para explicar muitos comportamentos, inclusive aqueles assumidos pelos protagonistas da campanha presidencial de 2010, a qual, como sabemos, já iniciou há algum tempo.
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Uma aliança PSDB-PMDB? É possível, porém talvez não seja do interesse deste último e não consiga levar o primeiro ao poder central. A aleciana união nacional entre PSDB e PT? Pouco provável em face da presença de Serra e, no limite, de monótonos Alckmins. PT e PMDB em torno de um/a sucessor/a cuja escolha dever-se-á ao atual presidente da República? Muito provável e, como as demais aventadas acima, absolutamente frustrante. O Brasil tem mil passados, deles só vivemos alguns, muitos mais ainda virão...
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NOTAS
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1. Sobre este tema veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007.
2. A tradicional classe média, ao que parece, aventurou-se a votar no PT em algumas oportunidades; delas seriam exemplos incontestáveis a eleição das prefeitas Luiza Erundina e Marta Suplicy, assim como a opção por Luiz Inácio da Silva quando de sua eleição em 2002.
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24.5.08

UNASUL: UMA BOA SEMENTE NUM CAMPO MINADO
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 24 de maio de 2008

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Os recentes entreveros entre presidentes de vários governos sul-americanos – Colômbia, Equador e Venezuela; Brasil, Bolívia e Paraguai; Uruguai e Argentina –, a grande liberdade e desenvoltura, por vezes exacerbada, de Hugo Chávez e, em menor escala, a presença de forças brasileiras em um frágil e impotente Haiti comprometem, a meu ver, a criação da Unasul (União das Nações Sul-americanas). Tal entidade, cuja existência efetiva ainda é meramente potencial, já apresenta curiosas facetas das quais a mais contundente foi a interdição aposta por mais de um de seus membros ao estabelecimento imediato do Conselho de Defesa da América do Sul cuja instalação, num quadro de amplas divergências, poderia significar, como querem alguns e parece óbvio, a instituição de uma OTAN da América do Sul.
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A constituição de tal organismo, cujo objetivo maior é promover a integração social e econômica dos países sul-americanos, vê-se altamente enfraquecida, segundo penso, pela inexistência, em seu nascedouro, de uma postura consensual das nações que o integram com respeito aos caminhos a seguir. Falta-nos um elemento estranho – interno ou externo – perturbador e/ou catalisador, capaz de aglutinar idéias e esforços. Sobejam, contrariamente, motivos para o alargamento do dissenso entre os atuais governantes de alguns Estados da área. As posições discrepantes assumidas com relação às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) constituem, tão-só, o mais eloqüente dos exemplos a serem lembrados.
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A referência a esses líderes políticos torna-se relevante porque, embora pudessem ser arrolados argumentos concretos e historicamente plausíveis a favor da Unasul e do pretendido Conselho, ver-se-iam eles desde logo deslocados para segundo plano em face da luta por prestígio e hegemonia travada pelos aludidos dirigentes.
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Assim, por exemplo, sempre haverá quem refira as iniciativas da Unasul à incapacidade fartamente demonstrada pelos atuais presidentes – Luíz Inácio da Silva à frente – de se ombrearem à desbragada verborragia de Hugo Chávez. Tudo se passa como se dissessem: "Existe a Unasul, agora somos todos iguais." Como se vê, uma tentativa burocrática e risível de se equiparar elementos reconhecidamente desiguais. Chávez não se sente compelido a mostrar-se bem-comportado, talvez por isso assuma atitudes tão desabridas com respeito a tudo e a todos, incluídos aí os EUA. Hugo Chávez, por seu turno, servir-se-á de cada oportunidade que lhe for aberta para tentar fomentar intrigas entre os governantes norte-americanos e os de nossas nações.
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Já o Conselho de Defesa – com caráter predominantemente político, como proposto pelo Brasil –, além de poder ser visto como uma forma de sofrear o voluntarismo e os arroubos beligerantes e intervencionistas de Hugo Chávez, Álvaro Uribe e outros líderes da região, define-se como meio de justificar a atuação do Brasil no Haiti e de impor um cala a boca preventivo aos dirigentes dos Estados sul-americanos política e economicamente menos expressivos como a Bolívia e o Paraguai. Como o querem a Venezuela e a Bolívia – apto a desenvolver ações regionais e com orçamento próprio –, logo seria ele considerado, pelos países "mais fracos", um "inaceitável" instrumento de ingerência em suas vidas internas por não se conformarem eles aos ditames dos "mais poderosos".
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Enfim, tanto a Unasul como a idéia de um Conselho de Defesa regional surgem em um momento de grande efervescência política e econômica, estando cercados, ademais, por políticos cujas limitações fazem-nos adotar um atitude de desconfiança quanto à possibilidade de vermos tais organismos ganharem vida e prosperarem.
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