7.11.09

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É PRECISO CAUTELA, POIS O CALDO PODE ENTORNAR...


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 3 de novembro de 2009



A meu ver, nossa recuperação econômica está ocorrendo de maneira muito rápida e sem um respaldo seguro em termos da economia real e de suas efetivas potencialidades. O clima que nos envolve parece aproximar-se mais de um momento de euforia econômica do que de uma sólida caminhada rumo ao crescimento sustentável no longo prazo.

No Brasil, a meu juízo, o comportamento econômico ora observado mostra-se demasiadamente calcado em um alargamento desmesurado do endividamento da classe média e das camadas de renda mais baixa. De outra parte, o governo central vem aumentando largamente suas despesas e o BNDES promove uma política de empréstimos muito permissiva.

Ora, todos estes fatores de estímulo à produção são temporários e, dentro de pouco tempo encontrarão, necessariamente, seus limites. Quando tal fato materializar-se, a economia ver-se-á fortemente afetada e corremos o risco de vivenciarmos um período de abalo econômico, pois o avanço verificado nos dias correntes não poderá sustentar-se tão somente no eventual crescimento de nossas exportações, fortemente marcadas pela presença de commodities. Ademais, no caso de haver uma quebra no preço destas últimas ou de advir um novo sismo em escala mundial, defrontar-nos-emos com uma situação muito menos favorável do que a vigente em fins do ano de 2008.

Na conjuntura atual deve prevalecer, pois, a cautela, cuidado este difícil de ser alcançado numa quadra cada vez mais dominada pela expectativa gerada pelas eleições do ano entrante.



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8.9.09

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DAS BRAVATAS AO ASSISTENCIALISMO GOVERNAMENTAL:
O BRASIL MUDOU PARA PIOR?


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 6 de setembro de 2009


Um conjunto de decepções com o modo tradicional, aventureiro ou mentiroso de governar levou as camadas médias brasileiras a aceitar as propostas de mudanças substanciais na vida política e econômica da Nação propaladas pelo sindicalista tornado líder político nacional à frente do PT. Assim, a chamada "opinião pública", que sempre trouxe acoplada a si as parcelas menos privilegiadas da população, conduziu a parcela majoritária do eleitorado a garantir a primeira eleição do atual presidente da República.

Como sabemos, as esperanças de alterações de fundo no modelo político e socioeconômico, de há muito dominante entre nós, viram-se rapidamente frustradas. As antigas promessas foram identificadas como bravatas necessárias a angariar votos e a emergência de seguidos escândalos na órbita governamental e no seio do PT restaram reduzidos a algo de somenos, tidos pelo governo central como fenômenos comuns e universais que permeiam todo o correr de nossa história.

Não obstante a desesperança de alguns, o episódio do mensalão evidenciou a possibilidade de se dar o descolamento, com respeito às demais camadas sociais, daquela composta pelos mais pobres e desvalidos. Como tive a oportunidade de anotar em outros escritos(1), o atual presidente da República, muito habilmente, mediante o alargamento e mudança das práticas assistencialistas, trabalhou de sorte a consolidar a aludida autonomização, monopolizando o apoio da grande maioria dos mais necessitados. Tal fato, como é de conhecimento geral, colocou-se na base da reeleição do chefe da Nação e contribui decisivamente para garantir o alto grau de aceitação popular do qual ele desfruta.

Evidentemente, como apontei em outro artigo(2), o estabelecimento de um verdadeiro "coronelismo governamental" representa, já que desacompanhado de reformas substantivas, um irrecusável retrocesso com respeito à vivência política da Nação e aos direitos de cidadania de toda sua população, pois, como anotamos há anos, com porcentagem ínfima do PIB tornou-se viável a compra de um grande número de eleitores.

De toda sorte, deve-se ter presente que este descolamento trata-se de fenômeno social definitivo e irreversível, vale dizer, vivemos uma nova quadra de nossa história política e eleitoral. Destarte, tanto as agremiações político-partidárias como os pactos e as alianças eleitorais terão, doravante, de pautar-se segundo o novo perfil assumido pelo cenário no qual se movimentam os eleitores brasileiros; velhos atores, cujos papéis eram de meros coadjuvantes, podem definir-se, no futuro imediato, como protagonistas.

Se nos faltam a historiadores, sociólogos e politicólogos conhecimento pleno e análises percucientes do processo em desenvolvimento, tal carência revela-se mais evidente ainda quando tomamos em conta nossos partidos políticos, sobretudo os da oposição. Encontram-se eles, em larga medida, verdadeiramente baratinados e confusos; daí este sentimento generalizado de que não existe oposição ao governo central ou de que ela se omite ou não age corretamente. A nosso juízo, o problema não está na ausência de uma oposição, nem em eventuais falhas de atuação; na realidade, a oposição simplesmente não sabe como comportar-se em face das novas peças e dos arranjos recentemente introduzidos do tabuleiro no qual se fere o jogo político.

Como aproximar-se política e ideologicamente desta parcela inorgânica do eleitorado, aparentemente dominada pela situação? Como atender seus interesses, ora saciados pelo poder central? Quais serão suas expectativas situadas além do simples atendimento de seus interesses imediatos? Tais expectativas já estão definidas pelos interessados, ou eles próprios ainda não alcançaram plena consciência de um processo que lhes garantiu algum dinheiro e uns poucos bens os quais, a seus olhos, foram oferecidos por um governo benevolente que os levou em conta e o qual urge preservar a qualquer custo?

Haverá projeção deste novel panorama, definido em termos nacionais, no plano dos Estados e no nível dos Municípios?

Enfim, como preencher o hiato existente entre as costumeiras práticas oposicionistas e as figuras praticamente desconhecidas que passaram a ocupar o proscênio de nossa vida política?

Já a situação, no âmbito nacional, parece estar plenamente acomodada em seu papel de distribuidora generosa de umas poucas migalhas altamente significativas paras seus beneficiários, extremamente carentes. Tais atitudes, assumidamente Paternais (e Maternais, como quer o presidente da República) serão bastantes para garantir sua continuidade no poder?

Portanto, a pergunta crucial que se põe no presente não diz respeito ao fato de ter ocorrido e se fixado a independentização em pauta, mas, sim, se a massa de eleitores despossuídos vergar-se-á passivamente a este coronelismo de novo tipo.

Caso isto venha a se dar, o Brasil estará fadado a um período indefinido de estagnação institucional e de degeneração política ainda mais acentuada do que a experimentada nos últimos lustros.


NOTAS

(1) COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, jun. de 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007; COSTA, Iraci del Nero da. Eleições municipais de 2008: algumas especulações. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2008; COSTA, Iraci del Nero da. Fixando idéias. São Paulo, Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 345, p. 35-36, 2009.
(2) COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007.




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19.7.09

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GARANTINDO A PERMANÊNCIA CONTINUADA NO PODER


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, julho de 2009


Faltam-me conhecimentos e o instrumental analítico necessários para deslindar os processos vinculados ao que chamo de luta pela continuidade no poder. Gostaria de ser capaz de abordar este tema sem criar um hiato instransponível entre ditadura e ambiente democrático, entre luta pela manutenção da hegemonia política e dominação autocrática pura e simples.

Na ambiência democrática a existência de partidos políticos bem definidos ideológica e/ou programaticamente parece ser um elemento altamente relevante ou até mesmo o unicamente necessário para garantir a aludida luta pela permanência continuada no poder político.

No âmbito das ditaduras talvez seja possível distinguir entre o personalismo absoluto (Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e ao menos em parte Stalin e Fidel Castro); o mando concentrado em um grupo (caso das ditaduras militares no Brasil e na Argentina) e a centralização burocrática no partido único (como na ex-URSS, na China e, talvez, na Cuba dos dias correntes).

Quanto aos "regimes fortemente concentrados" não é descabido tomar como exemplo clássico a ação do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no México, a dominância extremada deste partido propiciou-lhe a ocupação do poder central por muitas décadas sem, contudo, ser tomado como partido único e sem caracterizar-se naquela nação um regime ditatorial.

Mais recentemente definiu-se, como uma forma nova de luta pela permanência no poder, uma instituição já existente, qual seja, a possibilidade da reeleição por uma ou várias vezes; permissão esta sempre estabelecida com base em reformas constitucionais alicerçadas, na maioria dos casos, em meios escusos. O motivo que levou diversos presidentes a provocarem seus respectivos poderes legislativos a lhes outorgarem tal direito talvez repouse no fortalecimento, ainda que apenas formal, vivenciado, nas Américas, pela ordem democrática no período que se seguiu à superação das ditaduras militares. Destarte, os golpes abertos viram-se rechaçados; restou, pois, o "golpe legal", avalizado pelos poderes legislativos e judiciários de várias nações latino-americanas.

No Peru, o poder Executivo, além de contar com o apoio militar e de suas bases populares, serviu-se largamente da corrupção de parlamentares. Na Venezuela, a pressão do poder Executivo encarnado na figura de Hugo Chávez e a ampla capacidade de mobilização popular deste político predominaram na imposição da conquista das "reeleições". Já no Brasil, como sabido, ocorreu a despudorada compra de votos do legislativo por atores vinculados ao governo central; neste sentido, a ação dos acólitos de F.H.C. abriu caminho para a sedimentação da corrupção consubstanciada no chamado mensalão. Esta última experiência, por seu turno, proporcionou o uso do Bolsa Família como maneira de comprar-se o voto e apoio das camadas despossuídas da população; fato este que representa sério retrocesso no processo de afirmação da democracia e dos direitos de cidadania.

O mais recente entrevero decorrente de uma eventual tentativa de uso do expediente da reeleição calcada no "golpe legal" evidenciou claramente os riscos envolvidos em tal prática. Se não, vejamos.

O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, tentou promover uma consulta popular a fim de se verificar se haveria concordância do eleitorado quanto à realização, juntamente com a eleição presidencial a se dar em novembro, de um plebiscito no qual se indagaria sobre a oportunidade da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Tal Assembléia, eventualmente, estabeleceria a possibilidade de haver reeleição presidencial. Segundo os partidários de Zelaya, a Assembléia Constituinte concluiria seus trabalhos depois de expirar, em janeiro de 2010, o mandato presidencial; portanto, estaria afastada a possibilidade de Zelaya, reelegendo-se, continuar no poder. Já seus opositores afirmam que, vitoriosa a proposta de convocação da Assembléia Constituinte, dar-se-ia, sob a inspiração do presidente, a rápida instalação da Assembléia Constituinte abrindo-se a brecha para que, aprovada a reeleição, Manuel Zelaya pudesse candidatar-se imediatamente; enfim, sairia vencedora, por via escusa, a reeleição de Zelaya.

Se tivermos presente que a consulta propugnada por este último foi proibida tanto pelo Legislativo como pela Corte Suprema de Justiça de Honduras vemo-nos em face de duas posturas golpistas: a do presidente por intentar desobedecer os demais poderes e a destes, apoiados pelo Exército, por destituírem e deportarem, segundo métodos não previstos pela Constituição vigente, o presidente legitimamente eleito. Não esqueçamos, aqui, ter sido Zelaya eleito como integrante do Partido Liberal (PL), de direita, ao qual também pertence o "presidente interino" colocado em seu lugar; partido este ao qual se deve a liderança da ação golpista. Zelaya, por sua vez, é visto pelo PL como traidor, pois abandonou as bandeiras de seu partido e tornou-se aliado de Hugo Chávez e adepto do ideário bolivariano esposado pelo líder venezuelano. Tais fatos indicam o quão radical e profunda é a luta político-ideológica, ainda em desenvolvimento, travada entre Zelaya e seus opositores internos; correlatamente apontam para a necessidade de não desprezarmos nenhum dos argumentos trazidos à baila por ambas as partes.

A Organização dos Estados Americanos e a maioria das nações que a integram tentam, no momento, resolver o problema gerado pela ilegítima deposição do presidente legalmente eleito. A nosso ver, o objetivo ora perseguido é o de reconduzir Manuel Zelaya ao poder desde que seja esquecida ou postergada a efetivação do plebiscito em questão.

Como avançado acima, as motivações para o "golpe legal" são de variada ordem.

No Peru e na Venezuela o assim chamado "método de reeleição continuada" parece ter sido condicionado pela tentativa de perpetuação no poder de caudilhos personalistas os quais aproximar-se-iam de ditadores clássicos como Franco e Hitler. Na Bolívia, Evo Morales adotou o modelo em voga e perseguiu a reeleição como maneira de consolidar a presença dos indígenas no poder central. O presidente do Equador, Rafael Correa, iniciou seu primeiro mandato em 2007, propôs-se a seguir o exemplo de Hugo Chávez; assim, viu a nova Carta Magna da nação ser aprovada em 2008, reelegeu-se em 2009 e poderá, como previsto constitucionalmente, candidatar-se a um terceiro mandato em 2013. Vale dizer, na ausência de uma oposição forte o bastante para obstá-lo, permanecerá no poder até 2017. A Constituição da Colômbia foi reformada em 2003 para permitir a reeleição de Álvaro Uribe, em 2006. Até então, a Carta Magna da nação não permitia a recondução do presidente. Nos dias correntes, as instâncias do poder Legislativo colombiano discutem a promoção de um referendo destinado a decidir sobre a permissão de um eventual terceiro mandato consecutivo para Uribe, este, por seu lado, não se define claramente sobre sua candidatura. Já no Brasil, a aprovação da reeleição ver-se-ia vinculada à falta de candidatos viáveis pertencentes às hostes muito prestigiadas em dado momento (caso de FHC). A recondução do atual presidente dever-se-ia à possibilidade de reeleição por ele percebida quando do episódio do mensalão; não lhe escapou, então, o alto grau de prestígio que conseguira com base no Bolsa Família. Este último e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) definir-se-iam, no presente, como elementos suficientes para a consagração, nas próximas eleições presidenciais, da candidata escolhida pelo atual ocupante do poder Executivo ao qual pode ter ocorrido a idéia de "trocar" uma desgastante campanha por um terceiro mandato, a ser exercido imediatamente, por mais dois períodos presidenciais a contar das eleições de 2014.



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14.5.09

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FIXANDO IDÉIAS

Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 12 de maio de 2009

Desde o afastamento da ditadura o eleitorado brasileiro tem vivenciado uma gama variada de experiências.

A administração Sarney parece ter representado, tão-só, a continuidade de um velho e indesejável modo de governar; serviu ela, não obstante, para exacerbar no ânimo do povo a vontade e a determinação de conhecer formas originais e audaciosas de condução das atribuições colocadas sob a responsabilidade do poder Executivo. Nesta perspectiva carregada de inquietudes quanto ao futuro e de fastio pelo passado modorrento e viciado radicou-se, a nosso juízo, o apoio decidido ao grupo de aventureiros liderado por Fernando Collor, visto naquele então como um político jovem, arrojado e consequente, embora se definisse como mera negação e não apresentasse nenhuma meta concreta a alcançar.

Depois do tempestuoso período dominado por um total desgoverno e pelo choque decorrente da cassação, acomodou-se o eleitorado no sóbrio combate contra a inflação descontrolada e no prometido equilíbrio da moeda, das finanças e da economia proporcionado pelo Plano Real conduzido por um circunspecto professor universitário, o qual, apesar da fala fácil que anunciava renovação, aconchegou-se, eleito presidente da República, no passado medíocre do qual nunca saíra. Sua reeleição deu-se com base no engodo da moeda forte e da estabilidade econômica, negadas pelo próprio Fernando Henrique Cardoso tão logo apurados os votos.

A petulância irresponsável levara ao desmando e à corrupção; a aparente compostura respeitosa, recheada de elegantes meneios e ditos faceciosos revelou-se mentirosa e conservadora; urgia buscar um novo rumo, era preciso privilegiar uma força política eticamente inatacável e efetivamente comprometida com mudanças radicais. No espectro político sobrara o PT, ao qual o eleitorado entregou sua confiança.

Para alguns de seus eleitores, a meu ver os mais conscientes, a decepção não tardou. O passado inovador foi renegado e prevaleceu o mais chão oportunismo regado, em alguns departamentos do PT, por corrupção generalizada. (1) Até mesmo a necessária e bem-vinda política assistencial tornou-se instrumento de mera compra de votos, transformando-se num clientelismo de Estado ao qual se deve a reeleição do atual presidente da República e um invejável apoio de parcelas do eleitorado anteriormente caudatárias das classe médias e dos assim chamados formadores da opinião pública.

Este descolamento das camadas despossuídas da população, que tenho chamado de "a voz do povo", (2) acarretou uma alteração de fundo no quadro dos distintos escaninhos nos quais, em termos federais, os eleitores brasileiros se albergam.

Tentar lançar hipóteses sobre o comportamento futuro desse remexido corpo votante significa fabular sobre o imponderável. Não esqueçamos que parte substantiva da população, justamente a atendida pelo coronelismo governamental, viu resolvidos alguns de seus problemas mais prementes, daí o descolamento acima referido.

Restou-nos, aos que almejamos reformas estruturais profundas capazes de repor-nos como nação, a horizontalidade absoluta de uma planície política da qual somos prisioneiros; nela não divisamos nenhum grupamento capaz de altear-se acima de uma oposição inepta e de um situacionismo imerso no fisiologismo grosseiro que a tudo devora e no qual perderam-se até mesmo as poucas vozes oposicionistas que até há pouco soavam como impolutas.

As eleições de 2010 mostram-se, desde já, afetadas por perspectivas desconcertantes: a doença da candidata lançada pelo presidente da República, a revivescência da tese de um terceiro mandato, a proposição da dilação dos atuais mandatos, o desencontro dos candidatos considerados da oposição, enfim, um conjunto descosido de caminhos erráticos e angustiantes.

Eis-nos, pois, inúteis como os bestializados aos quais se impôs a República, a aguardar, sem esperança alguma, as eleições de 2010.


NOTAS

(1) O efeito deletério da defecção do PT não repousa no fato de alargar ou aumentar a corrupção, mas no de evidenciar tratar-se ela de algo universal entre nós, algo que "todos fazem"; a consequência de tal explicitação é, sobretudo, comportamental: não são mais necessárias as máscaras nem a hipocrisia, vale dizer: todos podem assumir suas mazelas e desmandos sem o risco de retaliações, sem terem de enfrentar "mesquinhas perseguições de caráter moralizante". Ou seja, se o PT fez o que todos fazem então podemos afirmar sem rebuços, e aqui utilizamos termos inteiramente vulgares: "Galera, tá tudo dominado, liberou geral".

(2) Sobre esta questão veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, abril de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? São Paulo, texto com divulgação pela Internet, agosto de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007.


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9.2.09

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NÃO CUSTA TENTAR...
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, fevereiro de 2009

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No Brasil, a política assistencialista do governo central parece estar condicionada por alguns elementos passíveis de identificação. Assim, a presença da chamada população redundante, (1) a ausência de uma política agrária apta a socorrer, de maneira efetiva e produtiva, as populações mais carentes do meio rural e de uma política industrial (que deveria prever a existência de empreendimentos votados à produção deste ror de bugigangas oferecidas por camelôs e nas "lojas do quase um", e sabiamente produzidas pelos chineses) e de um plano de investimentos infraestruturais destinados a gerar empregos em larga escala para a porção não qualificada de nossa mão-de-obra, bem como os altos custos incorridos na manutenção de juros muito elevados (o que absorve uma parcela substantiva dos gastos públicos para a manutenção de sua dívida) corresponderiam a alguns dos itens do rol de tais fatores explicativos. A conjugação do quadro acima delineado com as vantagens eleitorais advindas do alargamento de práticas assistencialistas pré-existentes encontram-se na base da atuação desenvolvida pelo atual governo Federal em torno da ajuda às famílias de baixa renda institucionalizada no programa Bolsa Família. (2)
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Embora modesto, tal auxílio conhece o amplo reconhecimento da parcela populacional por ele favorecida, absorve uma parte muito pequena dos gastos públicos e representa ganhos político-eleitorais reconhecidamente dos mais altos. Ademais, ainda que consideremos tal "solução" absolutamente precária – pois representa verdadeiro retrocesso político em termos dos almejados avanços democráticos e dos direitos de cidadania –, não implicava ela, até desencadear-se a atual crise econômica, um perigo imediato com respeito à manutenção dos direitos dos trabalhadores consignados em nossa Constituição e em outros diplomas legais.
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Na verdade, a crise ora vivenciada em escala planetária, além de outros gravames da mais variada ordem, colocou-nos em face de dois novos riscos, um menor, qual seja o da ampliação das aludidas ações assistencialistas (um verdadeiro coronelismo governamental), e um outro, bem mais alarmante: o de vermos feridos e apoucados alguns dos referidos direitos trabalhistas os quais conheceriam alterações de modo a serem substituídos por procedimentos de caráter assistencial.
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Enquanto aquele primeiro já foi materializado em determinações do poder executivo nacional, este último ainda não se viu consubstanciado em normas gerais ou em acordos entre entidades empresariais e sindicais.
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Destarte, noticia a imprensa: "O Bolsa Família, principal programa social do Planalto, passará a atender mais 1,3 milhão de famílias... O limite de renda para obter ajuda federal subiu de R$ 120 para R$ 137 mensais por pessoa. O governo também dará merenda escolar, antes restrita aos ensinos infantil e fundamental, aos alunos do ensino médio da rede pública. Medida provisória assinada ontem prevê R$ 322 milhões para os 7,3 milhões de estudantes dessa faixa." (3) Conquanto simpática, nunca faltarão políticos e analistas para os quais tal MP define-se como mais uma barretada dirigida ao eleitorado de 2010 pelo atual presidente da República.
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De outra parte, como avançado, é possível denunciar em algumas declarações colhidas aqui e ali opiniões que, sem tomar na devida conta as regras ora existentes, (4) apontam, quase sempre veladamente, na direção da transformação de atuais direitos em medidas de feição assistencialista.
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Fala-se, assim – difusamente e sem especificar claramente mecanismos efetivos –, em flexibilização do emprego, das leis trabalhistas ou de contratos de trabalho; também é lembrada, com insistência, a necessidade de se ampliar o seguro-desemprego. (5) Enfim, mostra-se sempre presente a idéia de repassar, para o próprio trabalhador ou para o Estado, parte expressiva dos custos correspondentes à manutenção do pessoal empregado e de sua demissão quando esta vier a ocorrer; este é, em última instância, o significado emprestado pelo mundo empresarial ao termo "flexibilização".
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A meu juízo, tais proposições muito dificilmente ver-se-ão corporificadas em regramentos legais, pois o movimento sindical já demonstrou estar alerta quanto às investidas destinadas a contrariar direitos adquiridos pelos trabalhadores. Não obstante, assim como "não custa tentar" diminuí-los, nada custa chamar a atenção contra os espíritos mal-intencionados cuja proliferação vê-se acirrada em tempos de crise.
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NOTAS
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1. Sobre este conceito veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. População redundante: tópico para a agenda do século XXI? Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 153, p. 14-16, 1993.
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2. Sobre estas questões e outras mais concernentes ao Bolsa Família e seus efeitos, veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, abril de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? São Paulo, texto com divulgação pela Internet, agosto de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007.
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3. Folha de S.Paulo. São Paulo, 29 de janeiro de 2009, p. A1.
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4. Conforme as normas legais vigentes existem ao menos cinco maneiras de acomodação das relações entre a empresa e seus empregados em face de situações excepcionais e visando a evitar demissões: a. sistema de banco horas; b. férias coletivas; c. licença-remunerada; d. suspensão temporária dos contratos de trabalho; e. redução da jornada de trabalho e dos salários.
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5. Evidentemente, não deixam de ser enfatizados outros itens – tais como estímulos fiscais, redução de impostos, ampliação do crédito, rebaixamento dos juros e dos spreads bancários – que compõem o arsenal disponível para o enfrentamento de crises econômicas. Apela-se, também, para a revivescência ou intensificação de práticas protecionistas.
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17.1.09

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A CRISE REAL
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 17 de janeiro de 2009

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Vejo poucos analistas, políticos e economistas realçarem o fato de que a ação irresponsável de integrantes dos sistemas financeiro e bancário e de alguns proprietários de empresas que as enredaram na tentativa de ganhos fáceis teve impacto sobre a face real da economia, (1) impacto este que atuou correlatamente à ampliação das aventuras ensejadas pela falta de regulação do mercado financeiro. Se parte substantiva dos negócios escusos deu-se na nebulosa esfera da especulação sobre valores e preços futuros, não se revelou desprezível o acicate ao aumento da produção decorrente da ampliação irresponsável dos empréstimos e financiamentos.
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Na verdade, assim como eram quiméricos os aumentos observados nas compras de bens imóveis e de outros bens duráveis ou de consumo imediato, igualmente não sustentável teria de se mostrar a ampliação da produção e dos investimentos destinados a atender a tal aumento da demanda. Assim, considerar a crise que se abate sobre a economia mundial como decorrência do "estouro da bolha" situada na esfera financeira e bancária, revela postura simplista e reducionista.
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Em termos concretos, os elementos vinculados à crise deflagrada na área financeira já traziam em seu bojo vínculos imediatos e mediatos com a economia real. Destarte, deve-se esperar que esta última sofra um forte abalo, trauma este que não poderá ser superado sem o decantado "ajuste para baixo" previsto pelos economistas neoclássicos, os quais, adeptos irresponsáveis do capitalismo que são, o conhecem melhor do que políticos bem intencionados ou preocupados em esconder as "vergonhas" do modo de produção que nos vitima.
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Verdadeiras estas nossas postulações, vê-se como é perfunctória a "ajuda" ao sistema financeiro e o "socorro" emprestado aos bancos. Igualmente superficial, em termos do emprego, da produção e do consumo, mostra-se a violenta queda sofrida nas bolsas de valores de todo o planeta pelas ações que representam os ativos reais das empresas. Estes fenômenos, como avançado, não são capazes de obviar o aludido "ajuste para baixo".
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Manter o ritmo anterior é, pois, impossível. Tentar vender a idéia de que é possível mantê-lo com pequenas correções aqui ou ali, é risível. Assim, além de medidas situadas na esfera da perfumaria, como isenção de imposto para compra de carros etc., é preciso pensar seriamente nos investimentos nas áreas da infra-estrutura, do ensino, da saúde etc. etc. Buscar respaldo para a massa de trabalhadores que, necessária e inevitavelmente, ficará desempregada é outro elemento a ser tomado em conta. As decantadas reformas estruturais, assim como as que dizem respeito ao sistema financeiro, fiscal e tributário deveriam ser lembradas. O sistema político que nos enxovalha não deveria ser esquecido, enfim, o conjunto inteiro das Reformas reclamadas há tanto teria de ser percorrido. (2) Mas, como sabemos, nada será feito; e esta é, em momento de crise, a crise real que, há séculos, atormenta os brasileiros.
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NOTAS
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(1) Não previ a crise estabelecendo-se a contar do sistema financeiro; esperava-a vinculada imediatamente ao lado real da economia e decorrente da ruptura dos déficits desproporcionais incorridos pela economia norte-americana. Cf. COSTA, Iraci del Nero da. EUA e CHINA: inimigos fraternais (observações pouco confiáveis de um não-expert). São Paulo, texto com divulgação pela Internet, 15 de janeiro de 2005.

(2) Isto equivale a dizer que as medidas ditas keynesianas não bastam para o caso do Brasil.
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