23.3.06

TUDO QUE ERA SÓLIDO...
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, março de 2006
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Desde o processo de redemocratização vivenciado em decorrência da lenta, gradual e nem tão segura supressão do regime militar, nossas instituições democráticas nunca se viram tão fragilizadas como no momento presente. São elas, ademais, recorrentemente desmoralizadas por ações adotadas por seus próprios integrantes.
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No correr dos dois últimos governos, a ânsia do PSDB e do PT em assenhorearem-se do poder a qualquer custo culminou por solapar as bases de sustentação da Câmara Federal, dilapidar a respeitabilidade do Ministério da Justiça, corroer a soberania do STF, além de contribuir para abalar de modo definitivo a já reduzida capacidade de ação e de resistência dos atuais membros do Senado Federal.
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Embora a Nação pareça liquefeita e revele uma apatia catatônica com respeito aos repetidos atos de desrespeito às normas legais e aos preceitos reguladores de nossas mais altas instâncias Republicanas praticados por nossos principais atores políticos e por demais autoridades que compõem os quadros dos três poderes máximos da vida nacional, faz-se necessário denunciar a todos os homens de boa vontade a situação anômala com a qual nos defrontamos nesta quadra tamanhamente acabrunhadora.
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A meu juízo, muito pouco poder-se-á fazer contra a enormidade das calamidades que nos assolam, pois não nos restaram opções políticas bastantes para cimentar caminhos que nos conduzam à superação dos problemas pelos quais nos vemos enleados.
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De uma parte, uma oposição tão descaracterizada quanto o Governo central e que a nada parece opor-se, pois a ela coube definir as bases da atual política econômica e refinar os velhos métodos de deterioração das instituições herdados de um passado mesquinho e apoucado.
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Do Governo central, por outro lado, nada se pode esperar; os Ministérios mostram-se inoperantes, o Presidente não governa e se compromete, tão-só, com atos vazios de sentido concreto e desenhados, exclusivamente, para promover sua reeleição. Muitos dirigentes petistas, por seu turno, perderam-se nos meandros de ações ilegais ou entoam declarações patéticas que, por seu descabimento, nos constrangem, e, pela desfaçatez, os aviltam.
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Quanto à oposição acima referida, pode-se alegar não ter ela traído nossas esperanças como o fizeram os próceres e a direção do PT sob a liderança do presidente da República. Assim, se estes últimos devem ser descartados in limine, aqueles primeiros mereceriam atenção à parte. Tal argumento, no entanto, é insustentável, pois não nos sentimos traídos justamente porque não esperávamos deles nada de especial, vale dizer, desempenharam o papel que deles se esperava: nada fizeram em favor da nação e da solução de nossos imensos problemas, pelo contrário, operaram de sorte a agravá-los; mostram-se, pois, tão rejeitáveis quanto as lideranças petistas.
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Afora os militantes e simpatizantes de vários partidos cuja dignidade e respeitabilidade estão acima dos comentários tecidos nesta crônica há, evidentemente, um grupo de parlamentares igualmente impolutos. Pouco numerosos e filiados a distintas agremiações políticas, não chegam estes últimos a compor massa crítica suficiente para gerar, ao menos por ora, uma força política capaz de servir como agente catalisador da vontade nacional por renovação e pela solução efetiva dos óbices ao nosso pleno amadurecimento político, econômico e social. A eles talvez tenham de se apegar os eleitores desejosos de evidenciarem sua insatisfação com o quadro político vigente. Esta, aliás, parece ser a única atitude recomendável e plenamente aceitável quando se pensa em termos do poder legislativo. De outra parte, quando se considera a órbita dos cargos eletivos para o poder executivo manda a honestidade intelectual reconhecermos não ser condenável o voto nulo, forma dramática de explicitarmos nossa repugnância em face da condição política degradante prevalecente nos dias correntes.
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2.3.06

UMA FARSA CÔMODA E FUNCIONAL


Iraci del Nero da Costa



Nos últimos lustros temos sido vitimados por um deprimente, porém elucidativo, espetáculo protagonizado pelos dirigentes políticos que se dispuseram a promover as práticas neoliberais no plano do poder central da República. Pensamos aqui no relacionamento entre o presidente da República e os diretores do Banco Central, de uma parte, e o ministro da Fazenda, de outra. Relacionamento este que tendeu a institucionalizar-se nos dois últimos governos. A mascarada está em aquele primeiro tomar estes últimos como entes inamovíveis e colocados fora de sua esfera de responsabilidade. Tal modus operandi tem possibilitado ao presidente criticar sua própria política econômica, comportando-se como opositor de seu próprio governo. Pensa ele, assim, safar-se das críticas dirigidas às práticas econômicas pelas quais é, constitucionalmente, responsável direto.

Ademais, implementa-se, sob a égide do Banco Central, uma política de juros rasteira do ponto de vista teórico e prático e rastejante quando considerados os interesses do capital financeiro especulativo e do sistema bancário. Nos defrontamos, assim, com a decantada independência dessa instituição; a qual não veio pela lei, pois impôs-se mansamente sem contestações maiores.

Já ao Ministério da Fazenda cumpre efetuar os cortes de verbas necessários à manutenção de um elevado superávit primário e dar aval à política cambial descaradamente voltada contra os interesses da Nação.

E tudo se passa, no palco das fantasias propaladas por esses atores de fancaria, como se os acontecimentos ocorressem à revelia da presidência da República.

Tal situação "beneficia" todos os agentes envolvidos direta ou indiretamente nessa farsa grotesca. Os analistas políticos interessados em demonstrar "bom comportamento" podem evitar críticas diretas ao dito chefe da Nação; o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central valorizam-se perante o poder central deitando raízes profundas num governo raso e sem densidade alguma; por fim, o governante máximo da República vê-se protegido pelo anteparo representado pelos meros implementadores de suas decisões na área econômica.

Por outro lado, os eventuais descontentamentos manifestados por correligionários ou militantes encontram sólidos moinhos quiméricos contra os quais poderão lançar suas críticas; terçando assim, sempre inutilmente, por suas propostas alternativas.
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Trata-se, é evidente, de um arranjo cuja funcionalidade foi amplamente comprovada e mediante o qual se aplica uma política desenhada com esquadros neoliberais sem o comprometimento político do assim chamado chefe da Nação. Este, por seu turno, apoiado em práticas demagógicas e suspeitas, que vão do assistencialismo aos mais desvalidos à manipulação desabrida do Congresso Nacional, pode – com a tranqüilidade oferecida por uma total irresponsabilidade política e com o tempo disponível propiciado pela falta de um programa efetivo de governo a ser implementado – cuidar, em tempo integral, de sua reeleição quando no primeiro mandato ou de suas memórias quando já cumpre seu longo período de despedida de um poder que o acaso lhe outorgou pelas mãos de uma nação de bestificados e do qual só fez uso para servir a caprichos pessoais desprezíveis e ao grande capital.