13.8.04



"PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES"


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, agosto de 2004




Há fatos em face dos quais não podemos nos calar; por sua gravidade, exigem eles que explicitemos nossa indignação. Embora reconheça haver-me omitido com respeito a muitos deles, impus-me, com referência à tentativa governamental ora em curso de cercear a liberdade de imprensa, a obrigação de, mesmo sem apresentar argumentos originais, consignar a repulsa que ações desse jaez devem inspirar no espírito das pessoas que se consideram respeitadoras da vivência democrática.

A maneira como foi engendrada a proposta de estabelecimento de um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), o modo como o Governo Federal incorporou e encaminhou o projeto de lei que o cria, o momento escolhido para apresentá-lo ao Congresso e à Nação, assim como os objetivos precípuos a que se destina este malfadado conselho, denotam um claro comportamento de feitio fascista e evidenciam o grau de degenerescência ideológica a que chegaram o atual presidente da República, seu Governo e a elite dirigente do Partido dos Trabalhadores. Se não, vejamos.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), à qual se deve a iniciativa de sugerir a instituição do CFJ, parece interessada, sobretudo, em patrulhar o acesso à atividade profissional. Assumem seus integrantes, pois, uma atitude de caráter estritamente corporativo. Como realçado por vários articulistas, as atividades desempenhadas por jornalistas não se confundem com as desenvolvidas por médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais de cujos erros ou omissões podem redundar danos definitivos e irreparáveis; tal fato, per se, torna dispensável o controle profissional dos jornalistas, pois ele pode ser exercido, em sua plenitude, mediante o apelo, por parte de eventuais interessados, à legislação e às instituições judiciais já existentes.

Quanto à remessa ao Congresso da proposta de criação do novo conselho, viu-se ela acompanhada de infelizes declarações efetuadas por membros do governo. Nelas, tais autoridades enfatizaram os aspectos mais antipáticos do órgão a ser institucionalizado: o controle das atividades e atitudes dos jornalistas e o mal velado dirigismo. Vale dizer, ao órgão cumpriria "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo", cabendo-lhe, ademais, impor penas a eventuais transgressores, penas essas que poderiam chegar à suspensão e à própria cassação do registro profissional.

Já o momento para o aludido envio revelou-se dos mais inoportunos, pois vivemos em meio a um sem-número de denúncias levantadas por jornalistas contra altos dirigentes governamentais. Assim, ao atender – prontamente, segundo alega – às solicitações da Fenaj, o Governo Federal fez-nos crer estar em busca de mera retaliação contra os que são tomados por muitos dos governistas como um grupo mal-intencionado de reles detratores.

Tenha-se presente, no tocante ao comportamento do Governo Federal, que o projeto de lei formulado pelo Ministério da Cultura e com o qual se visa à criação de uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) padece do mesmo viés autoritário ora denunciado; segundo seus elaboradores é de grande importância o estabelecimento de "meios de controle e fiscalização das atividades cinematográficas e audiovisuais".

Em face desse quadro não resta dúvida, pretende-se golpear a democracia e impor o silêncio. Do governo que aí está nada se pode esperar, suas ações já deixaram patente seu alheamento. Dos jornalistas, da intelectualidade, dos cidadãos em geral, destes sim, espera-se o repúdio à volta da censura, da coerção e de um inaceitável dirigismo.