3.12.11

                                   
                                    
O PODER EXECUTIVO CENTRAL E O DESGASTE DE SEU MINISTÉRIO

                      
Para Tito, amigo inesquecível.
                                   
Iraci del Nero da Costa
                                 
                                
A meu juízo, ao considerarmos o processo concernente ao relacionamento entre as atitudes e resoluções de nosso Congresso Nacional e os interesses nacionais e da massa da população brasileira devemos emprestar peso dos mais elevados, quando contempladas as últimas décadas, ao grau de dependência do Poder Legislativo federal em face dos governantes instalados no Poder Executivo central.
                                 
Assim, no correr das aludidas décadas ocorreu, no período de formulação da Constituição Federal de 1988, a maior aproximação entre a ação e as preocupações do Legislativo Federal e as necessidades populares e nacionais. Instituída a nova Carta Magna, voltou a predominar o secular hiato entre aquele poder e o eleitorado e seus problemas. Lembre-se aqui que o impeachment de F. Collor (1992), ato este amplamente respaldado pela quase totalidade da população brasileira, representou, antes de tudo, "a devida resposta a ser dada ao presidente" pelos membros do Congresso, os quais se sentiram aviltados e desafiados por um presidente da República inebriado pela falsa impressão de que era um ser onipotente. Destarte, os parlamentares não acolhiam os reclamos vindos das ruas, mas, tão só, retaliavam um presidente que pretendeu fazer-se surdo ante as inumeráveis "exigências" de "bases parlamentares" ávidas de fazerem-se mudas.
                               
O afastamento referido acima viu-se alargado com a ascensão de FHC, pois, no decorrer de seus mandatos aprofundou-se – dada a conhecida compra de votos a fim de possibilitar sua reeleição – o controle do Congresso pelo Executivo. Tal fenômeno ganhou dimensões imensamente maiores desde o início do período de governança do sucessor de FHC; deu-se, assim, mediante práticas escusas ou abertamente criminosas, a atração do Poder Legislativo com respeito ao Executivo visando a atender aos objetivos e metas políticas desse último.
                               
A centralização da vida congressual em torno do Executivo afastou o Legislativo de seus tênues vínculos com a massa da população e dos eleitores de sorte a fazer com que tal poder passasse a ser concebido como mero apêndice do Executivo, inteiramente desvinculado do eleitorado e descompromissado quanto às reivindicações e carências populares. Seus móveis passaram a ser quase exclusivamente os interesses de seus integrantes e aqueles apontados pelo seu dominador, vale dizer, o Governo central.
                               
Quanto às episódicas divergências entre os dois poderes em foco, deve-se ter presente que, em sua imensa maioria, as "resistências" oferecidas pelo Legislativo são apadrinhadas por grupos de parlamentares ou por agrupamentos partidários os quais pretendem ver atendidas suas solicitações de caráter puramente fisiológico. Trata-se apenas, pois, de "vender" por preço mais alto a decisão almejada pelo Executivo; o voto transforma-se, assim, em mera mercadoria, em meio de troca com o qual se procura alcançar as benesses perseguidas pelos referidos grupos ou agrupamentos.
                            
Na verdade, os muitos casos de corrupção e falcatruas de variada ordem, perpetrados nas mais distintas esferas da administração pública, acompanhados que se viram de generalizada impunidade, assim como a maneira abúlica com que foram recebidos pelo Governo central, funcionaram, sem dúvida, como poderoso acicate sobre os parlamentares, levando-os a servirem-se, agora farta e desabridamente, dos tradicionais e costumeiros expedientes fraudulentos. Ações concretas para o afastamento de figuras corruptas dão-se, em sua imensa maioria, em decorrência das denúncias efetuadas pela mídia impressa, televisiva e falada; note-se, não obstante, que a elogiável vigilância da imprensa, não tem exercido efeito inibidor maior sobre nossos políticos, pois os casos de malversação repetem-se com assiduidade denotadora de total descaso quanto a eventuais denúncias.
                                   
Caso as impressões ora expendidas correspondam à realidade, pode-se concluir que a "piora" recente do Congresso não derivou, tão somente, de seu próprio movimento rumo ao descalabro, de nossas taras políticas atávicas ou da "má" escolha efetuada pelos eleitores. Não, como avançado, impõe-se a verificação de que a degenerescência aqui denunciada deve-se, sobretudo, ao amoldamento de grande parcela de nossos parlamentares às práticas crescentemente abusivas e danosas implementadas ou permitidas pelo Poder Executivo federal. Este último, além do mais, exara um número despropositado de Medidas Provisórias, muitas das quais sem qualquer elemento de relevância ou urgência que as justifique; dessa forma, como repisado pelos analistas, o poder de legislar emprestado ao Executivo central desvaloriza ainda mais nosso parlamento.
                                            
Ademais, podemos encontrar em fatos atuais, ora ainda a se desenvolverem sob nossas vistas, elementos capazes de corroborar a conclusão acima posta, pois, como fartamente anotado pela imprensa diária, o primeiro escalão nomeado pela atual presidente da República viu-se devidamente impregnado por algumas figuras comprometidas com métodos espúrios relativamente ao tratamento do dinheiro público; trata-se, como documentado, de ministros colhidos no Senado ou na Câmara Federal e cujas ações representaram graves deslizes quanto ao destino que emprestaram a recursos públicos colocados à sua disposição; cinco deles foram demitidos nos quadros de ações às quais emprestou-se o apodo de "faxina", limpeza essa com caráter reflexo já que devida às denúncias efetuadas pela mídia impressa e falada. Não obstante, ainda restam em seus cargos ministros sobre os quais pesam graves acusações e suspeitas; com respeito a eles a presidente da República tem-se mostrado passiva à espera da anunciada reforma ministerial prevista para o início do ano entrante. Tal atitude, embora seja compreensível do ponto de vista político – já que a presidente quer evitar o desgaste causado por demissões recorrentes – revela-se absolutamente inaceitável do ponto de vista ético, pois é de se esperar do mandatário maior da Nação uma resposta inflexível e imediata em face dos assim chamados "malfeitos" cometidos por seus subordinados. Caso essas pessoas permaneçam por tempo indevido nos cargos para os quais foram nomeadas e se não houver uma verdadeira devassa nos órgãos cujos integrantes cometeram atos criminosos estaremos em face do aprofundamento do comprometimento do Poder Executivo com respeito à violação das normas e leis que nos regem.

                       
                               
                                          

16.10.11

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"OCUPE WALL STREET", O MOVIMENTO DOS "INDIGNADOS" E AS MANIFESTAÇÕES CONTRA A CORRUPÇÃO

                            
Para Tito, amigo inesquecível.
                           
Iraci del Nero da Costa
                                     

Há, no Brasil, quem pretenda efetuar comparações entre a mobilização numericamente expressiva dos "indignados" espalhados por centenas das principais cidades do mundo e o apoucado número de pessoas que acorrem às manifestações contra a corrupção desenvolvidas em uns poucos centros urbanos brasileiros. A meu ver tais confrontos não são pertinentes, pois deixam de lado as motivações e os escopos dos movimentos em questão. 
                                                  
Os primeiros veem-se empolgados por uma crise de largo espectro cujas consequências atingem fundamente a produção, as finanças e particularmente o emprego. No Brasil, o móvel dos manifestantes é relativamente menos premente, pois se prende à ética na política, elemento dos mais relevantes, mas cujo poder de mobilização, com raras exceções,1 tem-se demonstrado, entre nós, menos efetivo do que as questões imediatamente vinculadas ao desempenho econômico.
                      
Assim, os "indignados" reúnem-se, sobretudo, porque sentem a falta, em seus países, de políticos que atuem de maneira decisiva para reverter a crise econômica que se estende desde 2008; como sabido, em todas essas nações tem faltado por parte de seus dirigentes maiores – tanto do poder Executivo como do Legislativo – determinação firme no respeitante ao enfrentamento dos graves problemas com os quais se defrontam suas economias. Destarte, os movimentos em foco pretendem, em última instância, condenar a carência de iniciativa de todo o corpo político de suas nações.
                    
Já no Brasil, as manifestações de denúncia da corrupção não colocam em xeque o poder Executivo Federal, mas, sobretudo, os parlamentares e, de modo menos explícito, atitudes de integrantes dos poderes Judiciário e Executivo. Ademais, não seria descabido afirmar-se que os manifestantes aprovam a assim chamada "faxina" atribuída à presidente da República; pretenderiam eles, portanto, pressionar o poder central a fim de fazê-lo dar continuidade e aprofundar a aludida medida saneadora.
                      
Tal distinção básica entre as mobilizações em tela explicariam a maior radicalização por parte dos movimentos estrangeiros e a participação de um número bem mais modesto de pessoas quando contemplados os eventos promovidos no Brasil.
                           
Trata-se, como se vê, de ações políticas diversas: uma voltada contra o mundo político em geral e o capital financeiro, a outra dirigida, essencialmente, contra o poder Legislativo tido como relapso e indulgente com respeito à corrupção; esta última, ademais, atua, de certa maneira, em apoio à presidente da República no que tange às suas ações contrárias aos assim ditos "malfeitos"; ações estas, diga-se com ênfase, tímidas e reflexas, pois foram levadas a efeito em resposta a denúncias levantadas pela mídia.
                                     
De outra parte, enquanto no nível internacional os políticos veem-se "encurralados" pelos manifestantes, no Brasil, caso assim o queira, a presidente da República, se assumir uma atitude que a defina como coparticipante ativa da ação saneadora almejada pelos eleitores, poderá ver-se prestigiada pela mobilização em curso
                              
Como não poderia deixar de ser, as qualificações ora explicitadas não nos impedem de augurarmos o alargamento e universalização da luta contra a corrupção da qual há tanto somos vítimas.
                      
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1 Dois desses casos excepcionais são paradigmáticos e não devem ser esquecidos, embora mereçam qualificação especial. Assim, o movimento pelas "Diretas Já" contou com amplo apoio de políticos de prestígio, da maioria esmagadora da intelectualidade, das classes médias e de um ativo movimento sindical, todos voltados contra uma ditadura fartamente desgastada tanto do ponto de vista político como econômico. Já com respeito aos "Caras Pintadas" lembre-se que o impeachment de F. Collor, ato este respaldado pela quase totalidade da população brasileira, representou, antes de tudo, "a devida resposta a ser dada ao presidente" pelos eleitores que foram traídos e pelos membros do Congresso, os quais se sentiram aviltados e desafiados por um presidente da República inebriado pela falsa impressão de que era um ser onipotente.
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11.8.11

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O PODER EXECUTIVO CENTRAL E O AVILTAMENTO DO CONGRESSO NACIONAL


Para Tito, um amigo que partiu cedo.


Iraci del Nero da Costa




A meu juízo, ao considerarmos o processo concernente ao relacionamento entre as atitudes e resoluções de nosso Congresso Nacional e os interesses nacionais e da massa da população brasileira devemos emprestar peso dos mais elevados, quando contempladas as últimas décadas, ao grau de dependência do Poder Legislativo federal em face dos governantes instalados no Poder Executivo central.


Assim, no correr das aludidas décadas ocorreu, no período de formulação da Constituição Federal de 1988, a maior aproximação entre a ação e as preocupações do Legislativo Federal e as necessidades populares e nacionais. Instituída a nova Carta Magna, voltou a predominar o secular hiato entre aquele poder e o eleitorado e seus problemas. Lembre-se aqui que o impeachment de F. Collor (1992), ato este amplamente respaldado pela quase totalidade da população brasileira, representou, antes de tudo, "a devida resposta a ser dada ao presidente" pelos membros do Congresso, os quais se sentiram aviltados e desafiados por um presidente da República inebriado pela falsa impressão de que era um ser onipotente. Destarte, os parlamentares não acolhiam os reclamos vindos das ruas, mas, tão só, retaliavam um presidente que pretendeu fazer-se surdo ante as inumeráveis "exigências" de "bases parlamentares" ávidas de fazerem-se mudas.

O afastamento referido acima viu-se alargado com a ascensão de FHC, pois, no decorrer de seus mandatos aprofundou-se – dada a conhecida compra de votos a fim de possibilitar sua reeleição – o controle do Congresso pelo Executivo. Tal fenômeno ganhou dimensões imensamente maiores desde o início do período de governança do sucessor de FHC; deu-se, assim, mediante práticas escusas ou abertamente criminosas, a atração do Poder Legislativo com respeito ao Executivo visando a atender aos objetivos e metas políticas desse último.


A centralização da vida congressual em torno do Executivo afastou o Legislativo de seus tênues vínculos com a massa da população e dos eleitores de sorte a fazer com que tal poder passasse a ser concebido como mero apêndice do Executivo, inteiramente desvinculado do eleitorado e descompromissado quanto às reivindicações e carências populares. Seus móveis passaram a ser quase exclusivamente os interesses de seus integrantes e aqueles apontados pelo seu dominador, vale dizer, o Governo central.


Quanto às episódicas divergências entre os dois poderes em foco, deve-se ter presente que, em sua imensa maioria, as "resistências" oferecidas pelo Legislativo são apadrinhadas por grupos de parlamentares ou por agrupamentos partidários os quais pretendem ver atendidas suas solicitações de caráter puramente fisiológico. Trata-se apenas, pois, de "vender" por preço mais alto a decisão almejada pelo Executivo; o voto transforma-se, assim, em mera mercadoria, em meio de troca com o qual se procura alcançar as benesses perseguidas pelos referidos grupos ou agrupamentos.


Na verdade, os muitos casos de corrupção e falcatruas de variada ordem, perpetrados nas mais distintas esferas da administração pública, acompanhados que se viram de generalizada impunidade, assim como a maneira abúlica com que foram recebidos pelo Governo central, funcionaram, sem dúvida, como poderoso acicate sobre os parlamentares, levando-os a servirem-se, agora farta e desabridamente, dos tradicionais e costumeiros expedientes fraudulentos. Ações concretas para o afastamento de figuras corruptas dão-se, em sua imensa maioria, em decorrência das denúncias efetuadas pela mídia impressa, televisiva e falada; note-se, não obstante, que a elogiável vigilância da imprensa, não tem exercido efeito inibidor maior sobre nossos políticos, pois os casos de malversação repetem-se com assiduidade denotadora de total descaso quanto a eventuais denúncias.


Caso as impressões ora expendidas correspondam à realidade, pode-se concluir que a "piora" recente do Congresso não derivou, tão somente, de seu próprio movimento rumo ao descalabro, de nossas taras políticas atávicas ou da "má" escolha efetuada pelos eleitores. Não, como avançado, impõe-se a verificação de que a degenerescência aqui denunciada deve-se, sobretudo, ao amoldamento de grande parcela de nossos parlamentares às práticas crescentemente abusivas e danosas implementadas ou permitidas pelo Poder Executivo federal.


Ademais, podemos encontrar em fatos atuais, ora ainda a se desenvolverem sob nossas vistas, elementos capazes de corroborar a conclusão acima posta, pois, como fartamente anotado pela imprensa diária, o primeiro escalão nomeado pela presidente recentemente eleita já se vê devidamente impregnado por algumas figuras comprometidas com métodos espúrios relativamente ao tratamento do dinheiro público; trata-se, como documentado, de ministros colhidos no Senado ou na Câmara Federal e cujas ações representam graves deslizes quanto ao destino que emprestaram a recursos públicos colocados à sua disposição. Caso algumas dessas pessoas permaneçam nos cargos para os quais foram nomeadas e se não houver uma verdadeira devassa nos órgãos cujos integrantes cometeram atos criminosos estaremos em face do aprofundamento do comprometimento do Poder Executivo com respeito à violação das normas e leis que nos regem.
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11.5.11

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A HISTÓRIA GERAL E A "TEORIA GERAL DAS REVOLUÇÕES"


Para Tito, amigo inesquecível.

IRACI DEL NERO DA COSTA
São Paulo, maio de 2011


Ocorreu-me perguntar(1)se não seria possível estudar as crises que levaram de um a outro modo de produção(2)como "crises de crescimento", verdadeiras "crises de superação" com largas consequências no plano político, mas calcadas no desenvolvimento econômico ou "desenvolvimento das forças produtivas", se quisermos nos valer de um termo marxista. Ou seja, o avanço econômico geraria choques que, num primeiro momento, teriam ocasionado o surgimento de distintos segmentos socioeconômicos e, em outros episódios históricos cruciais, operariam de sorte a colocar em confronto segmentos sociais subordinados e ascendentes ("progressistas" por desejarem a implementação de mudanças profundas) e aquelas parcelas sociais econômica e politicamente dominantes, cujo comportamento se distinguia pelo conservantismo. Tal postulação seria válida, a meu juízo, para o que tenho chamado de modos de produção "naturais".(3)

Destarte, o avanço e o desenvolvimento das "forças produtivas" acarretaria a superação das condições políticas e ideológicas pretéritas, tivessem elas um caráter igualitário ou de dominação.

Como não poderia deixar de ser, não nos escapa aqui o fato de que tanto no escravismo como no feudalismo estavam vinculadas imediata e umbilicalmente duas dimensões da vida social: a econômica e a política. Assim, tanto na redução à escravidão como na imposição da passagem de renda (nas distintas formas que tal passagem assumiu no correr do tempo) de um para outro segmento social sem qualquer justificativa de caráter econômico – necessária esta última para a consubstanciação de um sistema feudal – impunha-se como elemento primeiro e primacial a subjugação política dos explorados pelos dominadores; não obstante, tais ocorrências deviam-se a mudanças econômicas que precediam as aludidas imposições de conteúdo político. Nesses dois casos, como avançado, o político e o econômico existiam, concretamente, como um todo unificado. A separação entre essas duas dimensões da vida social se dará, justamente, com o advento do capitalismo, no âmbito do qual o econômico pôde separar-se definitivamente do político na medida em que a força de trabalho se viu transformada em mercadoria.(4)

Também não nos foge a evidência de que o desenvolvimento econômico de determinada área pode acarretar o endurecimento da exploração em outras regiões. O exemplo mais claro de tal fenômeno é encontrado na Segunda Servidão do século XVII, termo com o qual se definiu a imposição de maiores obrigações sobre o campesinato servil da Europa Oriental por parte dos senhores feudais seus dominadores. Nesse caso, interessava a tais senhores vender grãos para a Europa Ocidental a qual conhecia florescimento econômico decorrente de sua expansão em escala planetária e das transformações que ali ocorriam dados o alargamento do capital comercial e a emergência do capitalismo. De toda sorte, o que vemos acontecer no leste europeu é a transformação da exploração que visava ao atendimento das necessidades de subsistência das camadas dominantes para o novo tipo de sujeição que se afirmava em termos globais, vale dizer, agora o interesse era o de atender ao mercado mais amplo, oferecendo-lhe os grãos como uma mercadoria a qual trazia consigo os germes que acrescentavam aos senhores feudais a condição de comerciantes. Como se observa, o enfoque a ser dado ao "crescimento econômico" e ao "desenvolvimento das forças produtivas" deve obedecer a uma perspectiva de âmbito global, evitando-se, assim, a visão centrada na escala local ou regional.

Ademais, a gênese de cada modo de produção pode ser única, específica, sendo impossível, portanto, confundir os constituintes genéticos – tanto seus elementos constitutivos como as inter-relações que os vinculam – de um modo de produção com os de outro. De outra parte, na medida em que não tem de haver, necessariamente, apenas um padrão genético, torna-se impossível o estabelecimento de uma lei, ou conjunto de regularidades, que explique, de maneira unívoca, abrangente e genérica, a passagem de um para outro modo de produção.

Tendo em vista, além disso, o caráter imanentemente expansionista e subordinador do capitalismo, não nos parece incorreto concluir que a história moderna do assim chamado "mundo periférico" define-se como um demorado processo de adequação desta parte do planeta ao capital e ao capitalismo. Destarte, as sociedades estabelecidas no Novo Mundo, postas pelo capital, empreenderam, desde seu nascedouro, um longo percurso do qual resultou, inexoravelmente, o pleno estabelecimento do modo de produção capitalista.

Evidentemente, tais processos não se deram de maneira linear; assumiram, sim, formas contraditórias, por vezes inacabadas e com contornos indefinidos – verdadeiras aberrações para quem as analisar com base nos modelos que se apresentaram em toda sua inteireza apenas em alguns países da Europa ocidental.

A nosso juízo, só há uma maneira de apreender tais processos: cumpre assimilá-los enquanto tais, isto é, como processos históricos concretamente dados; embora se apresentem como dos mais complexos, podemos sumariá-los com poucas palavras: é preciso descrever como se deram os processos de "formação / incorporação / adequação" das sociedades periféricas "segundo o/ao" modo de produção capitalista, o qual se deve tomar, a um tempo, como causativo e resultante dos ditos processos.

A conclusão inerente às ponderações acima expostas, que não vão além de uma leitura das ideias de K. Marx, nos leva a dispensar a necessidade de se formular uma "teoria geral das revoluções", a qual, segundo se pensa, é impossível de ser alcançada.(5)

Evidentemente, não estamos a reduzir todas as revoluções e mudanças que se dão no plano do poder, algumas da mais alta significância, às aludidas alterações de ordem econômica. Pensamos, especificamente, naqueles movimentos "revolucionários" dos quais decorrem reordenações profundas e decisivas no que se tem entendido como "modo de produção".

Os demais movimentos – situados aquém de transformações na órbita dos modos de produção – podem resultar de causas as mais variadas entre as quais, em muitos casos, de maneira isolada ou conjunta, também se faz presente, com maior ou menor expressividade, o fator econômico.

Assim, a "teoria" das revoluções vê a impossibilidade de sua formulação "explicada" pelos fatos, pois o móvel mais relevante quanto a transformações sociais de fundo assenta-se no crescimento econômico e não em uma crise com caráter definido e universal; em outros termos, pode-se afirmar que o esgarçamento da situação pretérita e, em especial, da dominação imperante em cada um desses momentos de ruptura em termos de "transição revolucionária" deve-se, em última instância, ao próprio desenvolvimento das assim chamadas forças produtivas.

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NOTAS

1 Sem comprometê-los com minhas limitações, agradeço as críticas e sugestões dos professores Agnaldo Valentin e Nelson Nozoe.

2 Com respeito à minha visão sobre algumas facetas do conceito "modo de produção", remeto o leitor aos seguintes trabalhos: COSTA, Iraci del Nero da. Algumas opiniões sobre a categoria "modo de produção". São Paulo, FEA-USP/NEHD, 1999, 7 p. Disponível em: http://sites.google.com/site/econogebra/home/05. Uma ver-são condensada deste trabalho foi publicada com o título: Reconsiderando a categoria modo de produção. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 225, p. 21-23, 1999.

3 A comunidade primitiva, o escravismo, o feudalismo e o capitalismo enquadram-se nessa categoria. Quanto a uma eventual transição do capitalismo ao socialismo, far-se-iam presentes elementos de ordem subjetiva não susceptíveis de serem abarcados pela tese ora esboçada, pois ela traz em si um alto grau de mecanicismo. Sobre as questões abordadas nesta nota, veja-se: MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da história, o início da história. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 172, p. 20-23, 1995; MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. Hegel e o fim da história: algumas especulações sobre o futuro da sociabilidade humana. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, n. 7, dez. 2000, p. 33-54.

4 Veja-se, sobre esta última questão, os trabalhos: MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. A emergência da mercadoria força de trabalho: algumas implicações. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 198, p. 21-23, 1997; MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. A mercantilização da força de trabalho: implicações políticas. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 202, p. 16-18, 1997.

5 Entenda-se por "teoria geral das revoluções" um modelo padrão unívoco, capaz de explicar as grandes transformações que informaram e enformaram a emergência dos distintos modos de produção propostos pelos clássicos do pensamento marxista.


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7.4.11

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SANEANDO URNAS: SOBRE A LEI DA FICHA LIMPA


Para Tito, já ausente mas sempre presente.


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, abril de 2011


À nossa Carta Magna de 1988 – alcunhada de "Constituição Cidadã" –, cuja elaboração viu-se engolfada pelo espírito otimista e progressista que marcou a reconquista da democracia no Brasil, devemos a possibilidade de propormos leis independentemente da ação de congressistas.

Conquanto tal abertura à iniciativa popular não tenha sido utilizada com frequência, contam-se dois exemplos dos mais relevantes decorrentes da atuação de eleitores que se serviram de tal dispositivo constitucional. Lembramos aqui da Lei 9.840, aprovada em 1999, a qual pune com cassação do mandato o político que tenha comprado votos, bem como da Lei Complementar 135/2010, a qual ganhou a feliz denominação de Lei da Ficha Limpa.

Àquela primeira credita-se a cassação de centenas de políticos, entre os quais governadores e prefeitos. Já a Lei da Ficha Limpa, como sabido, prevê o impedimento dos que tenham sofrido penalidades impostas pela Justiça. Sua aplicação plena ainda está a depender de julgamento do Supremo Tribunal Federal, mas, de toda sorte, sua mera existência representa uma largo passo na direção do saneamento de uma vida política vincada profundamente por séculos de impunidade.

Instigada por tal lassidão, uma variegada fauna de marginais sociais procura albergar-se sob o manto da democracia e dos direitos de cidadania elegendo-se a postos do poder Legislativo; entre eles encontram-se desde larápios e criminosos comuns até celebridades medíocres cuja notoriedade se deve a excentricidades aberrantes. Na verdade, em sua maioria, os integrantes dessa súcia podem ser vistos como trânsfugas ou trastalhões que, aos desvãos, preferem o fulgor dos holofotes que dimana das casas legislativas; tal audácia, como sabido, permite-lhes obstar a aplicação de penalidades reclamadas pela Justiça.

Tal fenômeno, embora deletério com respeito ao funcionamento pleno e são da vivência política, deriva, em última instância, das próprias bases que informam e enformam os direitos democráticos. Assim, é de se esperar que a remoção de tal abastardamento da democracia não se dê automaticamente e enfrente forte resistência de interessados e interesseiros, sobretudo entre nós, vitimados por odiosa tradição clientelista e patrimonialista. A superação das práticas ora denunciadas exigirá, pois, um conjunto complexo de processos e ações, cuja efetivação certamente demandará um largo espaço de tempo.

Três dos aludidos processos apontam na mesma direção e distinguem-se por seu inter-relacionamento e pela morosidade demandada até a ocorrência de seu estabelecimento integral. Pensamos aqui, antes do mais, na universalização e aprimoramento da educação formal a qual, como é de conhecimento de todos, padece, em todo o território nacional, de flagrantes carências.

À consecução desse pressuposto basilar somam-se a educação cívica e o refinamento cultural de nossa população; se este último mostra alguns sinais de vida, já aquela primeira praticamente inexiste.

A completar a avançada tríade, acha-se a necessidade de haver uma busca sistemática de informações por parte do corpo eleitoral. É imprescindível não só o conhecimento do passado dos postulantes a cargos eletivos, mas também o acompanhamento contínuo do desempenho dos políticos eleitos.

Emprego para os que desejem trabalhar e bom atendimento nos serviços públicos em geral representam elementos indispensáveis e complementares aos arrolados acima, pois, assim como a educação cívica, operam de sorte a garantir a independência da população e dos eleitores com respeito a eventuais "ajudas" oferecidas por amealhadores de votos cativos. Sobre esses temas vale considerar, ainda que ligeiramente, alguns aspectos de nossa formação histórica.

Como repisado pelos mais diversos autores, no Brasil instituiu-se, desde seu nascedouro moderno, o chamado patrimonialismo, sempre acompanhado pelo clientelismo; assim, para a massa menos abonada abriu-se o apelo aos "coronéis", tenham eles a cara de proprietários de terras, de políticos ou mesmo de membros do clero. Nessa esfera, o objetivo perseguido é uma benesse qualquer: de uma ajuda do tipo do Bolsa Família a empregos públicos de baixa remuneração e pouco exigentes quanto ao preparo escolar. Já as camadas médias também se servem do mesmo expediente, socorrendo-se de políticos e amigos influentes para conseguirem boas colocações no emprego público, matrícula em escolas de superior qualidade para seus filhos etc. etc. Quanto às "elites" políticas e econômicas, a "troca de favores" é universal e generalizada.

Não sei até que ponto esse universo de favores continua a operar generalizadamente dessa maneira hoje em dia, mas até há pouco era assim que se procurava, em primeira instância, alcançar uma melhora das condições de vida.

Como se pode imaginar, tais modos de agir tendem a arrefecer tanto a luta por melhorias de caráter geral como atuam no sentido de fazer socialmente "aceitáveis" comportamentos absolutamente condenáveis por parte dos políticos e do poder executivo; pois, "com base neles poderemos alcançar nossos objetivos", pensariam os que pretendem apoiar-se na ajuda dos "donos do poder". Enfim, tento caracterizar aqui o quadro secularmente imperante entre nós, valendo ele, não só para as elites, mas também para a classe média e para as camadas menos privilegiadas.

Deve-se frisar aqui não estarmos a esposar a falsa ideia contida na afirmação de que "o brasileiro não sabe votar"; o problema a ser enfrentado fere a questão do "uso" emprestado pelo eleitor ao seu voto. Destarte, usá-lo para obter esta ou aquela vantagem pessoal, embora seja racional por parte de quem não dispõe de recursos maiores, representa a subversão dos direitos de cidadania; assim, o desvirtuamento das escolhas de caráter político deve ser enfrentado e excluído da vida pública.

No concernente à adoção de ações concretas visando a moralizar o poder Legislativo temos de contar não só com a presença dos próprios legisladores – os quais, diga-se, em sua grande maioria não abonam tais medidas –, mas, sobretudo, com a participação dos próprios eleitores e dos órgãos do poder Judiciário. Assim, se com respeito às regras restritivas quanto à despudorada e alucinante mudança de um para outro partido, coube papel de relevo ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, a assim chamada Lei da Ficha Limpa decorreu da iniciativa popular, a qual ganhou tal fôlego que a impôs aos legisladores, sempre evasivos quando se trata de regular o poder colocado sob sua tutela.

Como vemos, por sua liberalidade e pela amplitude dos direitos que garante, a democracia pode, eventualmente, dar guarida a oportunistas; tal abertura exige, pois, a atenção permanente dos eleitores, da vigilante mídia, dos guardiães da aplicação estrita das normas constitucionais e dos poucos legisladores bem-intencionados.

A nosso ver, portanto, não se deve emprestar a este ou àquele fator ou sujeito o papel de protagonista das mudanças desejadas com vistas a alcançar-se um padrão superior no âmbito de nossa vida política; tal patamar só será atingido dada a concorrência de um conjunto de atores cuja atuação deve dar-se em distintas esferas da vida social e política na nação.


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1.1.11

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O CONGRESSO NACIONAL E SEU DESVALIMENTO


Para Tito, um amigo que partiu cedo.

Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 2 de janeiro de 2011


A meu ver, a análise do processo concernente ao relacionamento entre as atitudes e resoluções de nosso Congresso Nacional e os interesses nacionais e da massa da população brasileira deve emprestar peso dos mais elevados, quando contempladas as últimas décadas, ao grau de dependência do Poder Legislativo federal vis-à-vis os governantes instalados no Poder Executivo central.

Assim, no correr das aludidas décadas ocorreu, no período de formulação da Constituição Federal de 1988, a maior aproximação entre a ação e as preocupações do Legislativo Federal e as necessidades populares e nacionais. Instituída a nova Carta Magna, voltou a predominar o secular hiato entre aquele poder e o eleitorado e seus problemas.(1) Esse afastamento viu-se alargado com a ascensão de FHC, pois, no decorrer de seus mandatos aprofundou-se – dada a conhecida compra de votos a fim de possibilitar sua reeleição – o controle do Congresso pelo Executivo. Tal fenômeno ganhou dimensões imensamente maiores desde o início do período de governança do sucessor de FHC; deu-se, assim, mediante práticas escusas ou abertamente criminosas, a atração do Poder Legislativo com respeito ao Executivo visando a atender aos objetivos e metas políticas desse último.

A centralização da vida congressual em torno do Executivo afastou o Legislativo de seus tênues vínculos com a massa da população e dos eleitores de sorte a fazer com que tal poder passasse a ser concebido como mero apêndice do Executivo, inteiramente desvinculado do eleitorado e descompromissado quanto às reivindicações e carências populares. Seus móveis passaram a ser quase exclusivamente os interesses de seus integrantes e aqueles apontados pelo seu dominador, vale dizer, o Governo central.

Quanto às episódicas divergências entre os dois poderes em foco, deve-se ter presente que, em sua imensa maioria, as "resistências" oferecidas pelo Legislativo são apadrinhadas por grupos de parlamentares ou por agrupamentos partidários os quais pretendem ver atendidas suas solicitações de caráter puramente fisiológico. Trata-se apenas, pois, de "vender" por preço mais alto a decisão almejada pelo Executivo; o voto transforma-se, assim, em mera mercadoria, em meio de troca com o qual se procura alcançar as benesses perseguidas pelos referidos grupos ou agrupamentos.

Na verdade, os muitos casos de corrupção e falcatruas de variada ordem, perpetrados nas mais distintas esferas da administração pública, acompanhados que se viram de generalizada impunidade, assim como a maneira abúlica com que foram recebidos pelo Governo central, funcionaram, sem dúvida, como poderoso acicate sobre os parlamentares, levando-os a servirem-se, agora farta e desabridamente, dos tradicionais e costumeiros expedientes fraudulentos.(2)

Caso as impressões ora expendidas correspondam à realidade, pode-se concluir que a "piora" recente do Congresso não derivou, tão somente, de seu próprio movimento rumo ao descalabro, de nossas taras políticas atávicas ou da "má" escolha efetuada pelos eleitores. Não, como avançado, impõe-se a verificação de que a degenerescência aqui denunciada deve-se, sobretudo, ao amoldamento de grande parcela de nossos parlamentares às práticas crescentemente abusivas e danosas implementadas ou permitidas pelo Poder Executivo federal.

Ademais, podemos encontrar em fatos atuais, ora ainda a se desenvolverem sob nossas vistas, elementos capazes de corroborar a conclusão acima posta, pois, como fartamente anotado pela imprensa diária, o primeiro escalão nomeado pela presidente recentemente empossada já se vê devidamente impregnado por algumas figuras comprometidas com métodos espúrios relativamente ao tratamento do dinheiro público; trata-se, como documentado, de ministros colhidos no Senado ou na Câmara Federal e cujas ações representam graves deslizes quanto ao destino que emprestaram a recursos públicos colocados à sua disposição. Caso tais pessoas permaneçam nos cargos para os quais foram recém-nomeadas estaremos em face de mais um passo na direção do assentimento, por parte do Poder Executivo, quanto à violação das regras legais vigentes.

NOTAS

(1) Lembre-se aqui que o impeachment de F. Collor (1992), ato este amplamente respaldado pela quase totalidade da população brasileira, representou, antes de tudo, "a devida resposta a ser dada ao presidente" pelos membros do Congresso, os quais se sentiram aviltados e desafiados por um presidente da República inebriado pela falsa impressão de que era um ser onipotente. Destarte, os parlamentares não acolhiam os reclamos vindos das ruas, mas, tão só, retaliavam um presidente que pretendeu fazer-se surdo ante as inumeráveis "exigências" de "bases parlamentares" ávidas de fazerem-se mudas.
(2) Note-se que a elogiável vigilância da imprensa não exerceu efeito inibidor maior sobre nossos políticos, pois os casos de malversação repetem-se com assiduidade denotadora de total descaso quanto a eventuais denúncias.



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