19.7.09

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GARANTINDO A PERMANÊNCIA CONTINUADA NO PODER


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, julho de 2009


Faltam-me conhecimentos e o instrumental analítico necessários para deslindar os processos vinculados ao que chamo de luta pela continuidade no poder. Gostaria de ser capaz de abordar este tema sem criar um hiato instransponível entre ditadura e ambiente democrático, entre luta pela manutenção da hegemonia política e dominação autocrática pura e simples.

Na ambiência democrática a existência de partidos políticos bem definidos ideológica e/ou programaticamente parece ser um elemento altamente relevante ou até mesmo o unicamente necessário para garantir a aludida luta pela permanência continuada no poder político.

No âmbito das ditaduras talvez seja possível distinguir entre o personalismo absoluto (Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e ao menos em parte Stalin e Fidel Castro); o mando concentrado em um grupo (caso das ditaduras militares no Brasil e na Argentina) e a centralização burocrática no partido único (como na ex-URSS, na China e, talvez, na Cuba dos dias correntes).

Quanto aos "regimes fortemente concentrados" não é descabido tomar como exemplo clássico a ação do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no México, a dominância extremada deste partido propiciou-lhe a ocupação do poder central por muitas décadas sem, contudo, ser tomado como partido único e sem caracterizar-se naquela nação um regime ditatorial.

Mais recentemente definiu-se, como uma forma nova de luta pela permanência no poder, uma instituição já existente, qual seja, a possibilidade da reeleição por uma ou várias vezes; permissão esta sempre estabelecida com base em reformas constitucionais alicerçadas, na maioria dos casos, em meios escusos. O motivo que levou diversos presidentes a provocarem seus respectivos poderes legislativos a lhes outorgarem tal direito talvez repouse no fortalecimento, ainda que apenas formal, vivenciado, nas Américas, pela ordem democrática no período que se seguiu à superação das ditaduras militares. Destarte, os golpes abertos viram-se rechaçados; restou, pois, o "golpe legal", avalizado pelos poderes legislativos e judiciários de várias nações latino-americanas.

No Peru, o poder Executivo, além de contar com o apoio militar e de suas bases populares, serviu-se largamente da corrupção de parlamentares. Na Venezuela, a pressão do poder Executivo encarnado na figura de Hugo Chávez e a ampla capacidade de mobilização popular deste político predominaram na imposição da conquista das "reeleições". Já no Brasil, como sabido, ocorreu a despudorada compra de votos do legislativo por atores vinculados ao governo central; neste sentido, a ação dos acólitos de F.H.C. abriu caminho para a sedimentação da corrupção consubstanciada no chamado mensalão. Esta última experiência, por seu turno, proporcionou o uso do Bolsa Família como maneira de comprar-se o voto e apoio das camadas despossuídas da população; fato este que representa sério retrocesso no processo de afirmação da democracia e dos direitos de cidadania.

O mais recente entrevero decorrente de uma eventual tentativa de uso do expediente da reeleição calcada no "golpe legal" evidenciou claramente os riscos envolvidos em tal prática. Se não, vejamos.

O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, tentou promover uma consulta popular a fim de se verificar se haveria concordância do eleitorado quanto à realização, juntamente com a eleição presidencial a se dar em novembro, de um plebiscito no qual se indagaria sobre a oportunidade da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Tal Assembléia, eventualmente, estabeleceria a possibilidade de haver reeleição presidencial. Segundo os partidários de Zelaya, a Assembléia Constituinte concluiria seus trabalhos depois de expirar, em janeiro de 2010, o mandato presidencial; portanto, estaria afastada a possibilidade de Zelaya, reelegendo-se, continuar no poder. Já seus opositores afirmam que, vitoriosa a proposta de convocação da Assembléia Constituinte, dar-se-ia, sob a inspiração do presidente, a rápida instalação da Assembléia Constituinte abrindo-se a brecha para que, aprovada a reeleição, Manuel Zelaya pudesse candidatar-se imediatamente; enfim, sairia vencedora, por via escusa, a reeleição de Zelaya.

Se tivermos presente que a consulta propugnada por este último foi proibida tanto pelo Legislativo como pela Corte Suprema de Justiça de Honduras vemo-nos em face de duas posturas golpistas: a do presidente por intentar desobedecer os demais poderes e a destes, apoiados pelo Exército, por destituírem e deportarem, segundo métodos não previstos pela Constituição vigente, o presidente legitimamente eleito. Não esqueçamos, aqui, ter sido Zelaya eleito como integrante do Partido Liberal (PL), de direita, ao qual também pertence o "presidente interino" colocado em seu lugar; partido este ao qual se deve a liderança da ação golpista. Zelaya, por sua vez, é visto pelo PL como traidor, pois abandonou as bandeiras de seu partido e tornou-se aliado de Hugo Chávez e adepto do ideário bolivariano esposado pelo líder venezuelano. Tais fatos indicam o quão radical e profunda é a luta político-ideológica, ainda em desenvolvimento, travada entre Zelaya e seus opositores internos; correlatamente apontam para a necessidade de não desprezarmos nenhum dos argumentos trazidos à baila por ambas as partes.

A Organização dos Estados Americanos e a maioria das nações que a integram tentam, no momento, resolver o problema gerado pela ilegítima deposição do presidente legalmente eleito. A nosso ver, o objetivo ora perseguido é o de reconduzir Manuel Zelaya ao poder desde que seja esquecida ou postergada a efetivação do plebiscito em questão.

Como avançado acima, as motivações para o "golpe legal" são de variada ordem.

No Peru e na Venezuela o assim chamado "método de reeleição continuada" parece ter sido condicionado pela tentativa de perpetuação no poder de caudilhos personalistas os quais aproximar-se-iam de ditadores clássicos como Franco e Hitler. Na Bolívia, Evo Morales adotou o modelo em voga e perseguiu a reeleição como maneira de consolidar a presença dos indígenas no poder central. O presidente do Equador, Rafael Correa, iniciou seu primeiro mandato em 2007, propôs-se a seguir o exemplo de Hugo Chávez; assim, viu a nova Carta Magna da nação ser aprovada em 2008, reelegeu-se em 2009 e poderá, como previsto constitucionalmente, candidatar-se a um terceiro mandato em 2013. Vale dizer, na ausência de uma oposição forte o bastante para obstá-lo, permanecerá no poder até 2017. A Constituição da Colômbia foi reformada em 2003 para permitir a reeleição de Álvaro Uribe, em 2006. Até então, a Carta Magna da nação não permitia a recondução do presidente. Nos dias correntes, as instâncias do poder Legislativo colombiano discutem a promoção de um referendo destinado a decidir sobre a permissão de um eventual terceiro mandato consecutivo para Uribe, este, por seu lado, não se define claramente sobre sua candidatura. Já no Brasil, a aprovação da reeleição ver-se-ia vinculada à falta de candidatos viáveis pertencentes às hostes muito prestigiadas em dado momento (caso de FHC). A recondução do atual presidente dever-se-ia à possibilidade de reeleição por ele percebida quando do episódio do mensalão; não lhe escapou, então, o alto grau de prestígio que conseguira com base no Bolsa Família. Este último e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) definir-se-iam, no presente, como elementos suficientes para a consagração, nas próximas eleições presidenciais, da candidata escolhida pelo atual ocupante do poder Executivo ao qual pode ter ocorrido a idéia de "trocar" uma desgastante campanha por um terceiro mandato, a ser exercido imediatamente, por mais dois períodos presidenciais a contar das eleições de 2014.



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