14.5.09

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FIXANDO IDÉIAS

Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 12 de maio de 2009

Desde o afastamento da ditadura o eleitorado brasileiro tem vivenciado uma gama variada de experiências.

A administração Sarney parece ter representado, tão-só, a continuidade de um velho e indesejável modo de governar; serviu ela, não obstante, para exacerbar no ânimo do povo a vontade e a determinação de conhecer formas originais e audaciosas de condução das atribuições colocadas sob a responsabilidade do poder Executivo. Nesta perspectiva carregada de inquietudes quanto ao futuro e de fastio pelo passado modorrento e viciado radicou-se, a nosso juízo, o apoio decidido ao grupo de aventureiros liderado por Fernando Collor, visto naquele então como um político jovem, arrojado e consequente, embora se definisse como mera negação e não apresentasse nenhuma meta concreta a alcançar.

Depois do tempestuoso período dominado por um total desgoverno e pelo choque decorrente da cassação, acomodou-se o eleitorado no sóbrio combate contra a inflação descontrolada e no prometido equilíbrio da moeda, das finanças e da economia proporcionado pelo Plano Real conduzido por um circunspecto professor universitário, o qual, apesar da fala fácil que anunciava renovação, aconchegou-se, eleito presidente da República, no passado medíocre do qual nunca saíra. Sua reeleição deu-se com base no engodo da moeda forte e da estabilidade econômica, negadas pelo próprio Fernando Henrique Cardoso tão logo apurados os votos.

A petulância irresponsável levara ao desmando e à corrupção; a aparente compostura respeitosa, recheada de elegantes meneios e ditos faceciosos revelou-se mentirosa e conservadora; urgia buscar um novo rumo, era preciso privilegiar uma força política eticamente inatacável e efetivamente comprometida com mudanças radicais. No espectro político sobrara o PT, ao qual o eleitorado entregou sua confiança.

Para alguns de seus eleitores, a meu ver os mais conscientes, a decepção não tardou. O passado inovador foi renegado e prevaleceu o mais chão oportunismo regado, em alguns departamentos do PT, por corrupção generalizada. (1) Até mesmo a necessária e bem-vinda política assistencial tornou-se instrumento de mera compra de votos, transformando-se num clientelismo de Estado ao qual se deve a reeleição do atual presidente da República e um invejável apoio de parcelas do eleitorado anteriormente caudatárias das classe médias e dos assim chamados formadores da opinião pública.

Este descolamento das camadas despossuídas da população, que tenho chamado de "a voz do povo", (2) acarretou uma alteração de fundo no quadro dos distintos escaninhos nos quais, em termos federais, os eleitores brasileiros se albergam.

Tentar lançar hipóteses sobre o comportamento futuro desse remexido corpo votante significa fabular sobre o imponderável. Não esqueçamos que parte substantiva da população, justamente a atendida pelo coronelismo governamental, viu resolvidos alguns de seus problemas mais prementes, daí o descolamento acima referido.

Restou-nos, aos que almejamos reformas estruturais profundas capazes de repor-nos como nação, a horizontalidade absoluta de uma planície política da qual somos prisioneiros; nela não divisamos nenhum grupamento capaz de altear-se acima de uma oposição inepta e de um situacionismo imerso no fisiologismo grosseiro que a tudo devora e no qual perderam-se até mesmo as poucas vozes oposicionistas que até há pouco soavam como impolutas.

As eleições de 2010 mostram-se, desde já, afetadas por perspectivas desconcertantes: a doença da candidata lançada pelo presidente da República, a revivescência da tese de um terceiro mandato, a proposição da dilação dos atuais mandatos, o desencontro dos candidatos considerados da oposição, enfim, um conjunto descosido de caminhos erráticos e angustiantes.

Eis-nos, pois, inúteis como os bestializados aos quais se impôs a República, a aguardar, sem esperança alguma, as eleições de 2010.


NOTAS

(1) O efeito deletério da defecção do PT não repousa no fato de alargar ou aumentar a corrupção, mas no de evidenciar tratar-se ela de algo universal entre nós, algo que "todos fazem"; a consequência de tal explicitação é, sobretudo, comportamental: não são mais necessárias as máscaras nem a hipocrisia, vale dizer: todos podem assumir suas mazelas e desmandos sem o risco de retaliações, sem terem de enfrentar "mesquinhas perseguições de caráter moralizante". Ou seja, se o PT fez o que todos fazem então podemos afirmar sem rebuços, e aqui utilizamos termos inteiramente vulgares: "Galera, tá tudo dominado, liberou geral".

(2) Sobre esta questão veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, abril de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? São Paulo, texto com divulgação pela Internet, agosto de 2006. Também publicado: Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006; COSTA, Iraci del Nero da. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007; COSTA, Iraci del Nero da. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo, texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007.


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