29.8.06

BRASIL: OS MESMOS ATORES E NOVOS PAPÉIS?
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Iraci del Nero da Costa
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Ao que parece, a contar do início da crise que se abateu sobre as principais lideranças petistas devido à revelação das práticas criminosas sobre as quais se assentou o escândalo do "mensalão", tem-se dado, crescentemente a consolidação de um relevante fenômeno político cujos primeiros momentos ocorreram há alguns lustros. Pensamos no que caracterizamos, na crônica intitulada A voz do povo, escrita em abril de 2006, como o descolamento da "voz do povo" – entendida como a manifestação das opções políticas da massa menos aquinhoada de nossa população – vis-à-vis a "opinião pública", à qual, conforme nos mostra a experiência, "mais cedo ou mais tarde, acabava por se vergar a vontade política das massas populares" (1), ou seja, a chamada "voz do povo".
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Como afirmamos no aludido escrito: "a 'voz do povo' desprendeu-se, ao menos na quadra ora vivenciada, da opinião pública, cuja formação, como sabido, dá-se, sob o influxo das elites dominantes, no seio das parcelas mais esclarecidas das classes médias. É justamente este último evento o mais saliente de todas as ocorrências políticas dos últimos tempos. Como bem lembram os analistas políticos a política assistencialista desenvolvida há anos, mas amplamente incrementada pelo atual governo, chegou efetivamente às bases mais carentes da massa da população brasileira dela recebendo a devida resposta, qual seja, o apoio à reeleição de Luiz Inácio da Silva. O presidente foi conduzido a tal condição pela reação por ele oferecida à crise gerada pelos desmandos e crimes cometidos" por alguns "quadros do PT. Como sabido, o presidente da República, além de aproximar-se do 'povão' e a este dirigir seu discurso em busca de um escudo que o resguardasse, acelerou e ampliou os programas de teor assistencialista – necessários e indispensáveis na atual quadra, diga-se com firmeza – de sorte a fazê-los, de fato, alcançar um grande número de famílias extremamente necessitadas. (...) as pesquisas de opinião logo apontaram o quão frutífera é tal forma de atuação reforçando a determinação presidencial de alargar aqueles programas e funcionando como o combustível que tem alimentado a empáfia e a segurança demonstradas por um governante moralmente falido" (2).
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Segundo penso, o processo ora referido é complexo e seu acompanhamento ao longo do tempo é dos mais difíceis, pois ele se deu lentamente em seu início e deveu-se a causas diversas que foram se sucedendo no correr dos anos. Revelou-se, ademais, descontínuo tanto no tempo como no espaço. De toda sorte, foi-se avolumando, ganhando dinamismo cada vez maior, configurando-se, a cada passo, de maneira mais nítida e ampliando, a cada lapso, sua independência. Assim, nos dias correntes, parece ser forte o bastante para impor a reeleição do atual presidente. Não é descabido, pois, imaginarmos que esse antigo ator de nosso cenário político passou a desempenhar, na quadra ora vivida, um papel novo e dos mais importantes.
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Persegui-lo em sua formação, como avançado, define-se como tarefa árdua. Não obstante, tentaremos fazê-lo, ainda que de modo meramente especulativo.
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Possivelmente, as raízes do processo aqui contemplado encontrem-se em parte dos votos amealhados por Paulo Maluf em várias das eleições das quais participou. À época eu considerava tais eleitores como aventureiros que se identificavam com a figura de um político tido como um arrivista dominado pela idéia de que a sorte e/ou o acaso poderiam sorrir-lhe a qualquer momento; enfim pessoas que, partindo do nada, queriam, sem muito esforço, alcançar a bem-aventurança decorrente do enriquecimento fácil.
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Um segundo momento da "independentização" sob análise marcou-se pelo rápido avanço político-eleitoral das seitas religiosas "de resultados" as quais, em pouco mais de uma década, conquistaram não só milhões de seguidores, mas, igualmente, um vultoso número de fiéis eleitores; a estes últimos devem, uns poucos evangelizadores, o enorme espaço político hoje ocupado por não muitas denominações religiosas. Embora dispersos em vários quadrantes econômicos, tais eleitores concentram-se nas camadas sociais menos abastadas, distinguindo-se, também, pela imensa pobreza intelectual a que se viram condenados por integrarem uma sociedade cujo maior galardão é a excludência sistemática.
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O início da consolidação do descolamento aqui considerado deu-se, como anotado acima, no bojo da crise desencadeada pelas denúncias formuladas pelo então deputado Roberto Jefferson. O respaldo emprestado ao atual presidente por numerosa parcela do eleitorado de baixa renda proporcionou uma visão mais clara de um movimento que se dava nas entranhas da sociedade brasileira. A assim chamada "voz do povo" estava a liberar-se de suas peias históricas e, caminhando por si, pronunciava-se favoravelmente à continuidade da política assistencialista promovida pelo governo federal; como já consignei, viu-se tal política imediatamente ampliada com entusiasmo pelo governo central, criando-se, com isso, um verdadeiro "Clientelismo de Estado".
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A proximidade entre as eleições e a crise petista favoreceu, dado o quadro esboçado no corpo desta crônica, a afirmação da candidatura do atual presidente e o aprofundamento da ruptura entre a "voz do povo" e seus antigos liames. Vivemos, pois, uma quadra na qual se vê privilegiado, em termos da escolha do novo presidente, o segmento mais pobre de nossa população.
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Destarte, no âmbito das eleições presidenciais, comporta-se tal parcela do eleitorado como ator principal. Conquanto este posto de protagonista não se repita no plano dos pleitos estaduais, sempre cabe perguntar qual será o posto a ser ocupado futuramente por este expressivo grupo social.
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Retornará ao seu velho escaninho, no qual acomodou-se por séculos? Solução possível, porém pouco provável, pois será ele, certamente, cortejado tanto pelos eleitos como pelos derrotados nas urnas; este fato atua no sentido de afastar a hipótese de estarmos diante de um movimento fortuito e passageiro.
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Ganhará autonomia plena, capacitando-se a compor-se organicamente de sorte a superar as limitações próprias da falta de recursos e de uma formação intelectual e política mais apurada? Embora desejável, trata-se de um final feliz dificilmente alcançável.
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Permanecerá em sua postura atual, sem maiores desenvolvimentos? Este resultado define-se, a um tempo, como provável e largamente indesejado, isso porque, caso essa camada popular venha a se manter inerte, sua presença independente na vida política nacional representará um forte componente negativo, pois veremos crescer continuamente os montantes de recursos destinados ao mero assistencialismo.
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Se esta última possibilidade vier a efetivar-se a conclusão maior a se impor leva-nos a imaginar o agigantamento dos entraves ao pleno desenvolvimento sustentado da sociedade brasileira a qual, além de vitimada por suas elites, passará a ser presa de uma imensa massa de desvalidos cujo interesse imediato prender-se-á, tão-somente, ao recebimento de migalhas pouco custosas a serem distribuídas, gostosa e generosamente, por políticos oportunistas e inescrupulosos que vierem a nos governar.
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(1) COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, jun. de 2006, p. 22.
(2) COSTA, Iraci del Nero da. Op. cit., p. 22-23.
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