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DESMOBILIZAÇÃO POLÍTICA: DÚVIDAS E QUESTIONAMENTOS
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, abril de 2006
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Segundo alguns, nos defrontamos no Brasil dos dias correntes com uma marcante desmobilização política da qual uma das evidências é a grande indiferença de muitos segmentos sociais, marcadamente os mais populares, com respeito às práticas ilícitas desenvolvidas no seio do poder executivo central e na Câmara Federal por integrantes da cúpula dirigente do PT. Esta leniência para com os crimes cometidos por petistas e parlamentares de outros partidos seria, assim, apenas o sintoma mais grave e visível da falta de mobilização que abarcaria a vida política em geral.
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Há analistas para os quais a apatia denunciada acima não é um fenômeno recente, mas tem raízes mais profundas em nossa sociedade. Assim, alguns pesquisadores explicam a carência de mobilização em termos do ônus nela envolvido; segundo esse raciocínio, para as camadas menos privilegiadas de nossa sociedade, o custo de ações reivindicatórias revelar-se-ia muito alto em face dos benefícios alcançados. Ou seja, a análise "custo/benefício" é, para tais segmentos, desfavorável à mobilização. A meu ver essa idéia é questionável e simplista, pois se define, de pronto, como um argumento tautológico. Creio necessária uma ampliação do leque analítico concernente ao tópico em foco bem como nele investir mais tempo de reflexão a fim de melhor esquadrinhá-lo dos pontos de vista sociológico, histórico e psicológico.
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Das "Diretas já!" ao momento presente.
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Com referência às "Diretas já!" houve intensa e persistente mobilização popular, participação similar ocorreu quando do impeachment de F. Collor, mutatis mutandis o mesmo poder-se-ia dizer da eleição de Luiz Inácio da Silva: a população respondeu à altura a anos de engodo, marasmo e ortodoxia votando a favor das almejadas mudanças e contra o candidato de FHC.
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E agora, estaríamos vivendo uma quadra marcada pela desmobilização? Ao procurar resposta para esta indagação é preciso ter em conta a campanha eleitoral já desencadeada e em relação à qual, ao menos por ora, parte da população, justamente a menos privilegiada e conhecedora da pobreza, simplesmente está apoiando o atual presidente da República. Teria ocorrido um descolamento da assim chamada "voz do povo" com respeito à opinião pública, à qual aquela primeira sempre tenderia a ajustar-se; com relação a esse fenômeno veja-se crônica de minha autoria intitulada A voz do povo.
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De outra parte, e aqui ainda nos postamos no terreno das campanhas eleitorais, também devemos pensar numa eventual mudança que estaria ocorrendo nesse campo há já algum tempo. A "mobilização", em tempos de eleições, pode ter passado por um processo de globalização e de "terceirização". Não é mais necessário sair às ruas e comparecer a comícios, os quais se tornaram dispensáveis, basta comparecer ao colégio eleitoral; as coisas acontecem como se tudo estivesse profissionalizado: o candidato tornou-se um ator submetido ao marqueteiro, a este cabe a tarefa de "agitação e propaganda", restando ao eleitor, apenas, o asséptico ato de votar. É interessante verificar que, do ponto de vista psíquico, não parece ter havido um "cansaço" quanto à participação, centenas de milhares de pessoas concorrem a shows e bailes de fim de semana e mostram invejável disposição de "participação"; ficam horas dançando e gritando, cantam juntos músicas cujas letras são absolutamente vazias, enfim eles "participam".
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Em face de tais circunstâncias eleitorais é-se levado a afirmar estarmos a vivenciar um momento especial de nossa vida política, momento esse preso à campanha em curso e às próximas eleições. Não obstante tal afirmativa mostrar-se plenamente razoável, o travo amargo da dúvida não nos abandona e somos tentados a considerar a hipótese segundo a qual as alterações não dizem respeito tão-somente a aspectos formais, mas também atingem os elementos referentes ao "conteúdo" da participação política. Não existe mais o mundo socialista a encarnar um ideal redentor apto a catalisar os anseios por melhoras dramáticas da vida social. A queda da URSS e de seus satélites tornou longínqua, impossível mesmo, para imensa parcela da humanidade, a perspectiva de ruptura imediata do modo de produção capitalista. De outra parte, no momento atual clamam alguns poucos, aqui no Brasil, pela luta por objetivos demasiadamente "refinados" (ética, moral etc.) para a grande massa que se dá por feliz por participar do Bolsa Família e ganhar 100 reais por mês; montante esse só desprezível, diga-se com ênfase, aos olhos de pedantes acostumados a uma vida mais do que remediada! Enfim, embora possamos estar a nos defrontar com uma fase particular e passageira de nossa história política, são inegáveis as transformações de fundo ocorridas na área da participação política da população, em geral, e dos eleitores, em particular. De toda sorte, talvez cometam um grave erro de avaliação as pessoas para as quais as condições ora vigentes se confundem com imobilismo político. Vejamos alguns argumentos que negam uma pretensa passividade absoluta e qualificam melhor as particularidades de nossa sociedade.
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O MST não abandonou sua luta.
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Representaria grande falta de sensibilidade não reconhecermos a exuberante mobilização de centena de milhares de pessoas de nosso meio rural; pessoas essas congregadas no MST o qual, inegavelmente, apresenta-se como movimento político articulado. A este respeito cumpre lembrar que, embora mais focado no problema agrário, esse movimento jamais deixou de preocupar-se com outros elementos da vida política nacional. Trata-se, pois, como avançado, de uma pujante e concatenada participação com teor popular da qual muitos de nós – citadinos e integrantes da classe média –, por não recebermos dela influxos diretos, não tomamos plena consciência.
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Serão levados os dirigentes do MST a compor com o atual governo em relação à reeleição do presidente da República? Romperão com um governo distribuidor de "migalhas" (importantes para os que as recebem) incapazes de fugir a assistencialismo caracteristicamente eleiçoeiro; denunciarão os grandes corruptores que se alojaram no PT? Adotarão uma linha pragmática de acordos e compromissos espúrios com o poder? Decidirão não declarar apoio a nenhum candidato? Todas essas portas estão abertas e ainda não é possível antever-se qual será a escolhida; opção esta da mais alta relevância a fim de se qualificar com precisão a direção deste verdadeiro partido político cujas ações, embora não se mostrem todas imunes a eventuais reparos, têm merecido o respeito da maioria das pessoas de esquerda.
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Seja como for, o MST está vivo e atuante; ademais, como anunciado por suas lideranças, pretende estender suas bases ao meio urbano como forma de ganhar a simpatia dos moradores das cidades; ampliar-se-á, pois, ainda mais, sua ação política.
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Uma pitada de História.
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O fato de termos descartado na abertura deste escrito a idéia segundo a qual a apatia teria raízes profundas em nosso passado não implica negar as peculiaridades de nossa sociedade nem as particulares feições que a natureza de nossa formação histórica imprimiu às formas assumidas entre nós pela participação política e às relações entre as camadas subalternas e as elites.
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A meu ver, para nós, brasileiros, a mobilização precisa apresentar um perfil muito bem determinado e não pode ater-se, tão-só, a elementos apenas avaliáveis por uma camada mais preparada em termos educacionais. De outra parte, a mobilização por objetivos muito concretos vinculados à melhoria de vida também não se estabeleceu fortemente entre nós, pois criaram-se, no correr do tempo, outros mecanismos sociais para encaminhar tais reivindicações. Assim, para a massa menos abonada abre-se o apelo aos "coronéis" tenham eles a cara de proprietários de terras, de políticos ou mesmo de membros do clero. Nessa esfera, o objetivo perseguido é uma benesse qualquer: de uma ajuda do tipo do Bolsa Família a empregos públicos de baixa remuneração e pouco exigentes em termos de preparo escolar. Já as camadas médias também se servem do mesmo expediente, socorrendo-se de políticos e amigos influentes para conseguirem boas colocações no emprego público, matrícula em escolas de superior qualidade para seus filhos etc.
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Não sei até que ponto esse universo de favores continua a operar generalizadamente dessa maneira hoje em dia, mas até há pouco era assim que se procurava, em primeira instância, alcançar uma melhora das condições de vida; o recente caso de um ex-presidente da Câmara Federal o qual se jactava de defender bêbados infratores e é tido como patrocinador de um Ministro está a indicar o quão fortes ainda se mostram as práticas aqui referidas.
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Como se pode imaginar, tais modos de agir tendem a arrefecer tanto a luta por melhorias de caráter geral como atuam no sentido de fazer socialmente "aceitáveis" comportamentos menos rígidos por parte dos políticos e do poder executivo; pois, "com base neles poderemos alcançar nossos objetivos" pensariam os que pretendem buscar a ajuda dos "donos do poder"! Enfim, tento caracterizar aqui o quadro secularmente imperante entre nós, valendo ele, não só para a classe média, mas também para as camadas menos privilegiadas. Não obstante isso, foi notável a mobilização pelas "Diretas já!" e contra a continuidade de F. Collor no poder; como avançado, tais movimentos giraram em torno de questões muito bem determinadas e que se distinguiam por sua generalidade, vale dizer, diziam respeito à vida de largas parcelas da população, embora fugissem de aspectos imediatamente vinculados à elevação do padrão material de vida.
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A empresa como uma grande família.
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Uma outra ordem de raciocínio diz respeito ao que se tem visto ocorrer entre os trabalhadores das empresas privadas. Nos quadros de uma economia com baixo crescimento e na qual prevalece um alto nível de desemprego as práticas neoliberais encontraram um campo fértil para espraiarem-se. Assim, dá-se a generalização de técnicas desenhadas para incorporar às relações entre os trabalhadores e as empresas comportamentos próprios dos existentes no âmbito da amizade ou na esfera familiar. A empresa passa a definir-se como uma grande família, com respeito à qual deve, o trabalhador, preocupar-se em grau semelhante ao que dedica a seus familiares. No Brasil alguns "consultores" têm proposto uma forma de ação surgida na Inglaterra a qual propõe a substituição do cumprimento formal pelo abraço, pois tal tipo de confraternização eliminaria as barreiras existentes entre a direção e o trabalhador direto, agindo sobre este último de sorte a torná-lo um parceiro efetivo dos proprietários dos negócios; o interessante é que, ao "medirem" os efeitos da introdução deste método, os ditos consultores o fazem em termos de aumento de produtividade, baixa no número de empregados despedidos por motivo de choques com quadros dirigentes superiores e queda no número de faltas decorrentes de estresse. Como sabido, nessa área a idéia básica é fazer o trabalhador "vestir a camisa" da empresa. Assim, a sorte do trabalhador, sua estabilidade no emprego e o bem-estar de sua família confundem-se com o desempenho e com os lucros da empresa. Como os trabalhadores diretos, os quadros diretivos também vêem-se pressionados a "aproximarem-se" daqueles primeiros.
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De outra parte, a constituição de equipes relativamente autônomas de trabalho visa, como sabemos, a substituir parte substantiva dos controles; tais equipes, ademais, atuam no sentido de rebaixar o absenteísmo, o número de horas extras trabalhadas (quando ocorre uma falta cumpre aos próprios membros da equipe dar conta da atividade do elemento ausente), de aumentar a produtividade e de estabelecer um ambiente de autocontrole, enfim tudo funciona com o objetivo central de baixar os custos de produção. Pois bem, em face desse panorama não há qualquer dúvida sobre o fato de vivermos uma quadra caracterizada pela existência, na esfera das empresas, de uma ação explícita e programada de desmobilização generalizada dos trabalhadores. A pergunta a fazer reza: em que medida tais formas de atuação agem sobre a mobilização política da massa de trabalhadores? Sentir-se-ão eles menos motivados a lutar por reivindicações de fundo mais genérico? Embora nossa resposta não possa ser categórica, um "talvez sim" nos parece plausível.
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Uma consideração de ordem psicológica.
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A par das alterações em curso na forma e no conteúdo da participação política da população brasileira vivemos, além de outros aspectos já referidos acima, um momento histórico profundamente vincado pela imensa decepção causada pelo PT e pelo atual governo central. Assim, o sentimento de desmobilização e de apatia, que toma a muitos, certamente está penetrado por um expressivo componente de teor psicológico. Nesse sentido não parece descabido pensar-se numa "desmobilização psicológica" a qual estaria a refletir nossa sensação de impotência quanto à possibilidade de chegarmos a mudanças significativas na vida política nacional.
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Destarte, a impressão de que a mobilização política deixou de existir decorreria de vários fatores: de nossa frustração com um partido e um governante que se perderam na inação, renunciaram a seu passado, a seus compromissos e enlearam-se em uma repugnante teia de crimes econômicos e políticos; do aludido sentimento de impotência quanto à efetivação de mudanças e, por fim, da falta de perspectivas concretas de encontrarmos agentes políticos (e aqui penso tanto em pessoas como em organizações políticas) capazes de canalizarem e conduzirem ordenadamente a luta política pela superação da situação hoje reinante. Vale dizer, a "desmobilização" refere-se tanto ao passado recente como ao futuro imediato, ambos esvaziados pela defecção petista.
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Creio desnecessário lembrar que não estou a tratar a assim chamada "desmobilização psicológica" como mera ilusão de eleitores desalentados e desvairados; vinculei-a, bem claramente, a fatos cuja existência revela-se insofismável.
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Fecho para um discurso inconcluso.
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Como se depreende de seu título, não busquei expor neste breve texto conclusões relativas a um tema com respeito ao qual tenho muitas dúvidas e nenhuma certeza.
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Deixo inconcluso, pois, este texto, ficando no aguardo dos que possam esmiuçar mais percuciente e detidamente os problemas aventados.
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Aventurei-me a divulgá-lo visando a expor minha ignorância, permitindo-me, assim, o direito de lançar um repto aos mais capazes: tomem para si a incumbência de encarar os questionamentos aqui reportados.
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, abril de 2006
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Segundo alguns, nos defrontamos no Brasil dos dias correntes com uma marcante desmobilização política da qual uma das evidências é a grande indiferença de muitos segmentos sociais, marcadamente os mais populares, com respeito às práticas ilícitas desenvolvidas no seio do poder executivo central e na Câmara Federal por integrantes da cúpula dirigente do PT. Esta leniência para com os crimes cometidos por petistas e parlamentares de outros partidos seria, assim, apenas o sintoma mais grave e visível da falta de mobilização que abarcaria a vida política em geral.
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Há analistas para os quais a apatia denunciada acima não é um fenômeno recente, mas tem raízes mais profundas em nossa sociedade. Assim, alguns pesquisadores explicam a carência de mobilização em termos do ônus nela envolvido; segundo esse raciocínio, para as camadas menos privilegiadas de nossa sociedade, o custo de ações reivindicatórias revelar-se-ia muito alto em face dos benefícios alcançados. Ou seja, a análise "custo/benefício" é, para tais segmentos, desfavorável à mobilização. A meu ver essa idéia é questionável e simplista, pois se define, de pronto, como um argumento tautológico. Creio necessária uma ampliação do leque analítico concernente ao tópico em foco bem como nele investir mais tempo de reflexão a fim de melhor esquadrinhá-lo dos pontos de vista sociológico, histórico e psicológico.
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Das "Diretas já!" ao momento presente.
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Com referência às "Diretas já!" houve intensa e persistente mobilização popular, participação similar ocorreu quando do impeachment de F. Collor, mutatis mutandis o mesmo poder-se-ia dizer da eleição de Luiz Inácio da Silva: a população respondeu à altura a anos de engodo, marasmo e ortodoxia votando a favor das almejadas mudanças e contra o candidato de FHC.
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E agora, estaríamos vivendo uma quadra marcada pela desmobilização? Ao procurar resposta para esta indagação é preciso ter em conta a campanha eleitoral já desencadeada e em relação à qual, ao menos por ora, parte da população, justamente a menos privilegiada e conhecedora da pobreza, simplesmente está apoiando o atual presidente da República. Teria ocorrido um descolamento da assim chamada "voz do povo" com respeito à opinião pública, à qual aquela primeira sempre tenderia a ajustar-se; com relação a esse fenômeno veja-se crônica de minha autoria intitulada A voz do povo.
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De outra parte, e aqui ainda nos postamos no terreno das campanhas eleitorais, também devemos pensar numa eventual mudança que estaria ocorrendo nesse campo há já algum tempo. A "mobilização", em tempos de eleições, pode ter passado por um processo de globalização e de "terceirização". Não é mais necessário sair às ruas e comparecer a comícios, os quais se tornaram dispensáveis, basta comparecer ao colégio eleitoral; as coisas acontecem como se tudo estivesse profissionalizado: o candidato tornou-se um ator submetido ao marqueteiro, a este cabe a tarefa de "agitação e propaganda", restando ao eleitor, apenas, o asséptico ato de votar. É interessante verificar que, do ponto de vista psíquico, não parece ter havido um "cansaço" quanto à participação, centenas de milhares de pessoas concorrem a shows e bailes de fim de semana e mostram invejável disposição de "participação"; ficam horas dançando e gritando, cantam juntos músicas cujas letras são absolutamente vazias, enfim eles "participam".
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Em face de tais circunstâncias eleitorais é-se levado a afirmar estarmos a vivenciar um momento especial de nossa vida política, momento esse preso à campanha em curso e às próximas eleições. Não obstante tal afirmativa mostrar-se plenamente razoável, o travo amargo da dúvida não nos abandona e somos tentados a considerar a hipótese segundo a qual as alterações não dizem respeito tão-somente a aspectos formais, mas também atingem os elementos referentes ao "conteúdo" da participação política. Não existe mais o mundo socialista a encarnar um ideal redentor apto a catalisar os anseios por melhoras dramáticas da vida social. A queda da URSS e de seus satélites tornou longínqua, impossível mesmo, para imensa parcela da humanidade, a perspectiva de ruptura imediata do modo de produção capitalista. De outra parte, no momento atual clamam alguns poucos, aqui no Brasil, pela luta por objetivos demasiadamente "refinados" (ética, moral etc.) para a grande massa que se dá por feliz por participar do Bolsa Família e ganhar 100 reais por mês; montante esse só desprezível, diga-se com ênfase, aos olhos de pedantes acostumados a uma vida mais do que remediada! Enfim, embora possamos estar a nos defrontar com uma fase particular e passageira de nossa história política, são inegáveis as transformações de fundo ocorridas na área da participação política da população, em geral, e dos eleitores, em particular. De toda sorte, talvez cometam um grave erro de avaliação as pessoas para as quais as condições ora vigentes se confundem com imobilismo político. Vejamos alguns argumentos que negam uma pretensa passividade absoluta e qualificam melhor as particularidades de nossa sociedade.
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O MST não abandonou sua luta.
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Representaria grande falta de sensibilidade não reconhecermos a exuberante mobilização de centena de milhares de pessoas de nosso meio rural; pessoas essas congregadas no MST o qual, inegavelmente, apresenta-se como movimento político articulado. A este respeito cumpre lembrar que, embora mais focado no problema agrário, esse movimento jamais deixou de preocupar-se com outros elementos da vida política nacional. Trata-se, pois, como avançado, de uma pujante e concatenada participação com teor popular da qual muitos de nós – citadinos e integrantes da classe média –, por não recebermos dela influxos diretos, não tomamos plena consciência.
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Serão levados os dirigentes do MST a compor com o atual governo em relação à reeleição do presidente da República? Romperão com um governo distribuidor de "migalhas" (importantes para os que as recebem) incapazes de fugir a assistencialismo caracteristicamente eleiçoeiro; denunciarão os grandes corruptores que se alojaram no PT? Adotarão uma linha pragmática de acordos e compromissos espúrios com o poder? Decidirão não declarar apoio a nenhum candidato? Todas essas portas estão abertas e ainda não é possível antever-se qual será a escolhida; opção esta da mais alta relevância a fim de se qualificar com precisão a direção deste verdadeiro partido político cujas ações, embora não se mostrem todas imunes a eventuais reparos, têm merecido o respeito da maioria das pessoas de esquerda.
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Seja como for, o MST está vivo e atuante; ademais, como anunciado por suas lideranças, pretende estender suas bases ao meio urbano como forma de ganhar a simpatia dos moradores das cidades; ampliar-se-á, pois, ainda mais, sua ação política.
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Uma pitada de História.
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O fato de termos descartado na abertura deste escrito a idéia segundo a qual a apatia teria raízes profundas em nosso passado não implica negar as peculiaridades de nossa sociedade nem as particulares feições que a natureza de nossa formação histórica imprimiu às formas assumidas entre nós pela participação política e às relações entre as camadas subalternas e as elites.
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A meu ver, para nós, brasileiros, a mobilização precisa apresentar um perfil muito bem determinado e não pode ater-se, tão-só, a elementos apenas avaliáveis por uma camada mais preparada em termos educacionais. De outra parte, a mobilização por objetivos muito concretos vinculados à melhoria de vida também não se estabeleceu fortemente entre nós, pois criaram-se, no correr do tempo, outros mecanismos sociais para encaminhar tais reivindicações. Assim, para a massa menos abonada abre-se o apelo aos "coronéis" tenham eles a cara de proprietários de terras, de políticos ou mesmo de membros do clero. Nessa esfera, o objetivo perseguido é uma benesse qualquer: de uma ajuda do tipo do Bolsa Família a empregos públicos de baixa remuneração e pouco exigentes em termos de preparo escolar. Já as camadas médias também se servem do mesmo expediente, socorrendo-se de políticos e amigos influentes para conseguirem boas colocações no emprego público, matrícula em escolas de superior qualidade para seus filhos etc.
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Não sei até que ponto esse universo de favores continua a operar generalizadamente dessa maneira hoje em dia, mas até há pouco era assim que se procurava, em primeira instância, alcançar uma melhora das condições de vida; o recente caso de um ex-presidente da Câmara Federal o qual se jactava de defender bêbados infratores e é tido como patrocinador de um Ministro está a indicar o quão fortes ainda se mostram as práticas aqui referidas.
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Como se pode imaginar, tais modos de agir tendem a arrefecer tanto a luta por melhorias de caráter geral como atuam no sentido de fazer socialmente "aceitáveis" comportamentos menos rígidos por parte dos políticos e do poder executivo; pois, "com base neles poderemos alcançar nossos objetivos" pensariam os que pretendem buscar a ajuda dos "donos do poder"! Enfim, tento caracterizar aqui o quadro secularmente imperante entre nós, valendo ele, não só para a classe média, mas também para as camadas menos privilegiadas. Não obstante isso, foi notável a mobilização pelas "Diretas já!" e contra a continuidade de F. Collor no poder; como avançado, tais movimentos giraram em torno de questões muito bem determinadas e que se distinguiam por sua generalidade, vale dizer, diziam respeito à vida de largas parcelas da população, embora fugissem de aspectos imediatamente vinculados à elevação do padrão material de vida.
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Uma outra ordem de raciocínio diz respeito ao que se tem visto ocorrer entre os trabalhadores das empresas privadas. Nos quadros de uma economia com baixo crescimento e na qual prevalece um alto nível de desemprego as práticas neoliberais encontraram um campo fértil para espraiarem-se. Assim, dá-se a generalização de técnicas desenhadas para incorporar às relações entre os trabalhadores e as empresas comportamentos próprios dos existentes no âmbito da amizade ou na esfera familiar. A empresa passa a definir-se como uma grande família, com respeito à qual deve, o trabalhador, preocupar-se em grau semelhante ao que dedica a seus familiares. No Brasil alguns "consultores" têm proposto uma forma de ação surgida na Inglaterra a qual propõe a substituição do cumprimento formal pelo abraço, pois tal tipo de confraternização eliminaria as barreiras existentes entre a direção e o trabalhador direto, agindo sobre este último de sorte a torná-lo um parceiro efetivo dos proprietários dos negócios; o interessante é que, ao "medirem" os efeitos da introdução deste método, os ditos consultores o fazem em termos de aumento de produtividade, baixa no número de empregados despedidos por motivo de choques com quadros dirigentes superiores e queda no número de faltas decorrentes de estresse. Como sabido, nessa área a idéia básica é fazer o trabalhador "vestir a camisa" da empresa. Assim, a sorte do trabalhador, sua estabilidade no emprego e o bem-estar de sua família confundem-se com o desempenho e com os lucros da empresa. Como os trabalhadores diretos, os quadros diretivos também vêem-se pressionados a "aproximarem-se" daqueles primeiros.
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De outra parte, a constituição de equipes relativamente autônomas de trabalho visa, como sabemos, a substituir parte substantiva dos controles; tais equipes, ademais, atuam no sentido de rebaixar o absenteísmo, o número de horas extras trabalhadas (quando ocorre uma falta cumpre aos próprios membros da equipe dar conta da atividade do elemento ausente), de aumentar a produtividade e de estabelecer um ambiente de autocontrole, enfim tudo funciona com o objetivo central de baixar os custos de produção. Pois bem, em face desse panorama não há qualquer dúvida sobre o fato de vivermos uma quadra caracterizada pela existência, na esfera das empresas, de uma ação explícita e programada de desmobilização generalizada dos trabalhadores. A pergunta a fazer reza: em que medida tais formas de atuação agem sobre a mobilização política da massa de trabalhadores? Sentir-se-ão eles menos motivados a lutar por reivindicações de fundo mais genérico? Embora nossa resposta não possa ser categórica, um "talvez sim" nos parece plausível.
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Uma consideração de ordem psicológica.
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A par das alterações em curso na forma e no conteúdo da participação política da população brasileira vivemos, além de outros aspectos já referidos acima, um momento histórico profundamente vincado pela imensa decepção causada pelo PT e pelo atual governo central. Assim, o sentimento de desmobilização e de apatia, que toma a muitos, certamente está penetrado por um expressivo componente de teor psicológico. Nesse sentido não parece descabido pensar-se numa "desmobilização psicológica" a qual estaria a refletir nossa sensação de impotência quanto à possibilidade de chegarmos a mudanças significativas na vida política nacional.
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Destarte, a impressão de que a mobilização política deixou de existir decorreria de vários fatores: de nossa frustração com um partido e um governante que se perderam na inação, renunciaram a seu passado, a seus compromissos e enlearam-se em uma repugnante teia de crimes econômicos e políticos; do aludido sentimento de impotência quanto à efetivação de mudanças e, por fim, da falta de perspectivas concretas de encontrarmos agentes políticos (e aqui penso tanto em pessoas como em organizações políticas) capazes de canalizarem e conduzirem ordenadamente a luta política pela superação da situação hoje reinante. Vale dizer, a "desmobilização" refere-se tanto ao passado recente como ao futuro imediato, ambos esvaziados pela defecção petista.
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Creio desnecessário lembrar que não estou a tratar a assim chamada "desmobilização psicológica" como mera ilusão de eleitores desalentados e desvairados; vinculei-a, bem claramente, a fatos cuja existência revela-se insofismável.
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Fecho para um discurso inconcluso.
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Como se depreende de seu título, não busquei expor neste breve texto conclusões relativas a um tema com respeito ao qual tenho muitas dúvidas e nenhuma certeza.
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Deixo inconcluso, pois, este texto, ficando no aguardo dos que possam esmiuçar mais percuciente e detidamente os problemas aventados.
...............................
Aventurei-me a divulgá-lo visando a expor minha ignorância, permitindo-me, assim, o direito de lançar um repto aos mais capazes: tomem para si a incumbência de encarar os questionamentos aqui reportados.
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