29.6.05

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SOBRE A MEDIUNIDADE: VISÃO DE UM IRRESPONSÁVEL
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Iraci del Nero da Costa (*)
São Paulo, junho de 2005

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Se me fosse exigida uma profissão de fé antropológica, constariam dela dois pontos básicos. Primeiramente, confessaria minha total ignorância quanto à matéria e me indiciaria como irresponsável por atrever-me a dela tratar. Num segundo passo, me diria adepto da idéia segundo a qual, a sociedades com o mesmo substrato socioeconômico, podem corresponder "superestruturas" as mais diversas. Vale dizer, àqueles substratos similares somar-se-iam elementos subjetivos, experiências e vivências coletivas, visões de mundo e perspectivas ideológicas peculiares a cada uma das comunidades; elementos esses condicionantes das diferenças observadas entre as aludidas superestruturas.
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Explicitados estes pressupostos, permito-me algumas considerações sobre uns poucos aspectos das concepções religiosas de distintas culturas.
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A meu ver, o advento da crença na existência de espíritos que se incorporam em determinadas pessoas (1) deve ter-se dado em comunidades nas quais não se havia desenvolvido uma hierarquização marcante entre seus integrantes. Assim, "ouvir" ditames exarados por "superiores" aos quais se deveria acatar sem maiores objeções só tornou-se viável mediante o artifício da referida incorporação. Estava-se, desta maneira, não em face das "opiniões" de um igual, mas perante o superior entendimento de uma entidade colocada acima dos "meros mortais" componentes de uma comunidade de "iguais". Tal fala transcende, pois, por definição, a visão parcial e discutível de um parceiro, transformando-se no conselho, e no limite numa ordem, ditados por um ente situado num escaninho que paira sobre todos e cada um dos integrantes da comunidade; ente este detentor da autoridade conferida pelo fato de ele se mover em uma esfera posta acima daquela na qual encontram-se os simples mortais.
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Quanto às religiões afro-brasileiras é mister considerar que o processo de hierarquização dos sacerdotes e sacerdotisas deve-se à maior ou menor capacidade de comunicação dos médiuns com os espíritos, ou seja, a diferenciação hierárquica dos religiosos estrutura-se com base no grau relativo de "prestígio" de cada pai ou mãe-de-santo. Nesse sentido, pode-se afirmar que a hierarquização, frouxa aliás,(2) vê-se diretamente afetada pelo artifício da incorporação acima anotado. Já no que tange à hierarquização no seio de cada terreiro – ou seja, à que se estabelece no processo de formação religiosa e relacionamento entre os membros de cada grupo –, não parece restar dúvida de que a ascensão à condição de pai ou mãe-de-santo prende-se, imediatamente, ao conhecimento e domínio de práticas mágicas e à capacidade pessoal de comunicação com o plano espiritual.
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No caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo (3) a existência de profetas e mesmo a de um Messias pode ser assimilada à idéia das aludidas incorporações. Não obstante, no caso dessas religiões parece ter ocorrido um paulatino e continuado afastamento dos "espíritos", dos profetas e que tais para uma órbita própria e sem comunicação amiudada com os terráqueos. Destarte, definiu-se uma instância de santos e quejandos os quais apenas excepcionalmente mantêm contato com seus seguidores.
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Correlatamente, a interpretação dos livros santos, os "conselhos" e as "ordens" passaram a fixar-se institucionalmente, ou seja, a ser atribuição de sacerdotes hierarquicamente organizados. A este respeito, é interessante notar que mesmo a dissidência protestante manteve elementos da referida hierarquização; ademais, muitas das seitas derivadas do protestantismo que pretendem uma volta aos velhos tempos das intervenções milagrosas do poder divino não só antepuseram-se mais decididamente à rigidez hierárquica, mas, além de representarem uma regressão a práticas próprias da magia,(4) e talvez por isso mesmo, também reaproximaram-se de posturas as quais supõem um contato direto, quase imediato, com o mundo dos espíritos.
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Assim, certas seitas ocupam-se da expulsão de espíritos malignos – associados ao Diabo – que teriam assumido o comando dos corpos de alguns candidatos a fiéis; estes últimos, por seu turno, são "revelados" pelos assim chamados pastores ou bispos, os quais detectam males e encaminham a cura de doenças físicas e males espirituais que afetam os membros de seus "rebanhos". Neste último caso a inspiração viria diretamente de Deus, o qual seria a fonte do poder daqueles sacerdotes, aos quais caberia, também, promover o bem-estar material e financeiro de seus dizimistas.


............................................NOTAS

(*) Agradeço os comentários e sugestões de Lívia Maria Pedalini.
(1) Não trato aqui do advento da crença numa forma de existência após a morte nem me ocupo dos espíritos em si, preocupa-me apenas, como expressamente afirmado, a emergência da crença na referida incorporação. Tenha-se presente, ademais, que o surgimento de tal fenômeno não decorreu, a meu ver, de um ato conscientemente planejado pelos "primeiros" médiuns; deve ter-se dado como um complexo comportamento psicológico, o qual, em face da rica experiência social dele decorrente, foi, paulatinamente, integrado à vida coletiva das mais diversas comunidades.
(2) As religiões afro-brasileiras, embora guardem um caráter "universal", marcam-se por um alto nível autárquico; destarte, cada grupo de seguidores reúne-se em torno de uma dada liderança. Tais grupos, ademais, concorrem entre si. Assim, a hierarquização ora referida diz respeito ao maior ou menor prestígio social (aqui entendido como grau de respeitabilidade religiosa) de cada pai e mãe-de-santo, não implicando, portanto, a institucionalização hierarquicamente organizada das aludidas lideranças, a qual, como sabido, não existe em termos formais. Note-se, ainda, que aludo à hierarquia existente "entre" distintos grupos, pois a prevalecente "dentro" de cada grupo (ou terreiro) será enfocada logo a seguir.
(3) Como sabido, para os muçulmanos Jesus Cristo é tido como um profeta.
(4) Decorrências imediatas desta regressão a práticas mágicas são dadas pela promoção de curas milagrosas e pelas promessas de ganhos financeiros e materiais em troca dos dízimos e do óbolo sempre presente em toda campanha promovida por grotescos negociantes de benesses divinas, figuras essas que se comportam como proprietários dessas "denominações de resultados".
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10.6.05

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EUA E CHINA: INIMIGOS FRATERNAIS
(Observações pouco confiáveis de um não-expert)
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, janeiro de 2005

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.....O endividamento crescente dos EUA – com a geração de déficits de grande monta –, além de expressar o papel dominante de sua enorme economia e sua correlata capacidade de emissão de "valores" puramente nominais (moeda de reserva), é funcional com o rápido crescimento econômico de muitas das economias "orientais" – sobretudo a da China –, as quais absorvem o papel moeda emitido pelos EUA e conhecem altas taxas de crescimento industrial calcado, em larga medida, nas exportações dirigidas aos EUA.
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.....Tal mecanismo garante, ademais, massivos investimentos do "mundo ocidental" naquelas economias e possibilita que os governos orientais mantenham taxas de juros das mais baixas.
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.....Evidentemente, tal situação não poderá perdurar indefinidamente. Para evitar grandes perdas, caso se rompa o equilíbrio instável prevalecente no momento, os ditos governos orientais terão de encontrar formas para ativarem e mobilizarem seus imensos mercados internos, os quais, por ora, existem apenas potencialmente, de sorte a fazê-los absorverem a atividade da capacidade produtiva empregada, nos dias correntes, na produção de bens vendidos para o exterior.
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.....Como se vê, a "cordialidade" entre chineses e norte-americanos assenta-se em um formidável arranjo econômico benéfico para ambos os lados. Os norte-americanos parecem ser orientados pelo oportunismo, já os chineses estariam a se aproveitar da condição hoje imperante visando, talvez, a construir e sedimentar um caminho que os faça chegar a níveis superiores de emprego, renda, produção e domínio de sofisticadas técnicas produtivas.
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.....Num futuro que não parece estar muito distante, conheceremos novos capítulos deste jogo pelo poder político e econômico. Jogo esse no qual vêem-se envolvidos, entre outros, a rebelde Taiwan assim como o Japão, cujas atitudes belicosas – assumidas em um passado que já parecia dormitar na história –, são relembradas, de modo evidentemente extemporâneo, por uma China ávida de conquistar espaço político e econômico tanto no extremo oriente como no cenário maior da economia mundial globalizada. Como se observa, o Japão, o qual não soube assumir, no plano político, o papel de líder econômico oriental que desfrutou por alguns lustros do século passado, vê-se hoje desafiado e, em certa medida, deslocado por uma China que não pretende passar despercebida, mas procura, ao contrário, a maior visibilidade possível.
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7.6.05

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NOTAS SOBRE PROCEDIMENTOS DE PESQUISA:
ALGUNS ELEMENTOS A SEREM CONSIDERADOS NO ESTUDO DE NOVAS ÁREAS INCORPORADAS AO ECÚMENO
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Iraci del Nero da Costa
Agnaldo Valentin
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Quando se analisa o processo de incorporação de uma área (*) ao ecúmeno é recomendável atentar, antes do mais, para seus predicados geográficos e os fatores que atuaram no sentido de atrair seus ocupantes. Quanto a estes, é preciso procurar reconhecer suas expectativas e os eventuais planos que formularam quando decidiram deslocar-se para tal área e ocupá-la. É necessário, ademais, efetuar o levantamento de seus conhecimentos, de seu preparo para a promoção do aproveitamento da região ocupada e dos bens com que chegaram a ela. Igualmente relevante é a determinação das relações estabelecidas entre as pessoas cujo deslocamento está sendo contemplado: vieram elas em grupos? são pioneiros isolados (solteiros) ou seus familiares foram deixados em outras plagas para, eventualmente, serem chamados num segundo momento?
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Com respeito ao local para o qual se dá o deslocamento, além dos elementos de ordem geográfica, já lembrados acima, e das eventuais aptidões da área em termos da disponibilidade de recursos, qualidade das terras, vias fluviais existentes, clima, regime térmico e de chuvas, condições pedológicas e perfil do terreno (montanhoso, plano, recortado etc.), deve-se emprestar especial atenção para as vias de comunicação já existentes assim como para a abertura de novos caminhos e rotas e seu desenvolvimento no espaço e no tempo, ou seja, tem-se de tomar em conta a disponibilidade de caminhos (terrestres, lacustres, marítimos e fluviais) que possam servir ao escoamento da produção local e ao recebimento de bens, serviços e informações de outras áreas.
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Caso se trate de um ambiente com predominância do sistema escravista é forçoso saber como esta região se vincula com as redes de comercialização de cativos, quais são os mercados fornecedores de mão-de-obra servil e quais os liames comerciais estabelecidos entre essas regiões.
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De outra parte, ao apreciarmos o processo de acumulação é imprescindível levar em conta os distintos momentos estudados, considerando, também, que cada fase (reconhecimento, ocupação, alargamento da ocupação, fixação definitiva, expansão produtiva, estabelecimento de comércio sedentário e desdobramento de núcleos rurais e urbanos etc.) apresenta determinados limites para o processo de acumulação individual e do corpo social visto como um todo. Vale dizer, deve-se considerar que, ao lado do dinamismo e da capacitação de caráter pessoal (ao lado da acumulação em termos individuais) existem potencialidades objetivas que dão o ritmo ao processo de "acumulação do conjunto social local", potencialidades estas as quais, a cada passo, atuando como um fator sobredeterminante, estabelecem o balizamento dos processos individuais de enriquecimento. Ademais, o nível de vinculação entre a área em foco e as redes de comércio regionais, "nacionais" e internacionais condiciona tanto o processo local de acumulação como, por conseqüência, os caminhos pessoais de enriquecimento.
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Revela-se como tópico da mais alta importância, pois, a definição pormenorizada do padrão de acumulação seguido no correr do tempo pelo núcleo tomado como um todo e em sua interação com o meio "nacional" e o internacional. Paralelamente, nos quadros de tal padrão, é necessário verificar como se processa, a cada lapso, o desempenho dos distintos agentes econômicos que se desenvolveram na área. Aqui, além dos indivíduos, terão de ser considerados os diferentes segmentos ocupacionais existentes localmente.
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No tocante às pessoas e aos grupos cuja atração deu-se num segundo momento do processo de ocupação (depois de efetuado o reconhecimento, o desbravamento da área e de ter-se iniciado a sedimentação do novo núcleo), impõe-se a averiguação detalhada de seus atributos de caráter objetivo e subjetivo. Quais as características desse(s) novo(s) grupo(s)? Seu nível de conhecimento e informação? Sua riqueza? Qual a composição do conjunto de seus bens (inclusive e sobretudo de escravos, se for o caso)? Quais as formas de transmissão e manutenção da riqueza através das gerações? Enfim, deve-se, sempre, qualificar as distintas "ondas" de novos ocupantes e, para cada uma dessas "levas" (desses momentos), as particularidades dos diferentes grupos e pessoas que as compõem, ponderando o duplo condicionamento existente entre os novos grupos e aqueles já instalados anteriormente.
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Não se deve esquecer, ainda, que tais regiões certamente conheceram um fluxo populacional, vale dizer, há que se reconhecer os fatores promotores tanto da imigração como da emigração. Ao investigador cabe a ponderação de ambos os movimentos, buscando associá-los ao já citado processo de “acumulação social”. Assim, por exemplo, constatar a intensificação ou arrefecimento da associação entre negócios e ligações familiares pode fornecer um indicador relativamente contínuo do dinamismo local, assim como desvendar vínculos que dificultem a aludida mobilidade de setores da sociedade estudada, especialmente em momentos econômicos adversos.
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Cumpre notar, por fim, a relevância assumida pelos elementos arrolados acima quando se pretende estabelecer comparações entre o comportamento no correr do tempo das distintas condições sobre as quais se alicerçaram nossas localidades. Sem o conhecimento mais denso dos caminhos por elas trilhados e dos substratos de ordem objetiva e subjetiva que informaram e enformaram o desenvolvimento de cada área, o mero confronto de uns poucos indicadores estatísticos revela-se ilusório, pouco profícuo e, portanto, absolutamente inútil. Assim, ao dirigirmos nossos esforços para a construção de uma história regional solidamente embasada no conjunto das ciências sociais colocadas à disposição do historiador estaremos, correlatamente, erigindo as bases indispensáveis aos confrontos dos quais resultará a identificação dos vários padrões de evolução que certamente estiveram presentes na formação das "populações" e das "economias" brasileiras.
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(*) Neste texto nos permitimos tomar, como sinônimos, os termos "local", "núcleo", "área" e "região".
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