11.10.05

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A DEMOCRACIA E OS DIREITOS DE CIDADANIA APONTAM PARA ALÉM DO CAPITALISMO
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, outubro de 2005

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A democracia – entendida aqui como a estrita obediência às decisões tomadas pela maioria segundo normas de legalidade permanentes e consensuais e com total observância do respeito devido aos direitos e à livre expressão e organização das minorias – assim como os direitos de cidadania – os quais, a nosso juízo, consubstanciam, obviamente num todo uno, o conjunto dos direitos do homem e do cidadão – assumiram, nos dias correntes, papel central quanto ao caminho futuro da história da humanidade e, em particular, quanto aos destinos das correntes políticas de esquerda.
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A condicionar tal relevância primordial conjugam-se três elementos principais: a definitiva derrocada do socialismo real; o processo conhecido como globalização o qual caracterizou-se, basicamente, pela mundialização dos interesses das grandes corporações e conglomerados econômicos e do qual decorreu a internalização de tais interesses por parte das nações periféricas; e, por fim, o comportamento dos EUA em face do fato de se haver tornado a nação hegemônica no cenário mundial e, em particular, a maneira irracional e calcada em inverdades de sua reação aos ataques terroristas pelos quais foram vitimados e o caráter reacionário do pensamento ideológico que, a contar de então, passou a predominar largamente no seio de seus principais grupamentos políticos e de expressiva parcela de suas demais instituições sociais. Consideremos mais detidamente os fenômenos aqui apontados e as implicações políticas que deles poderão decorrer.
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A superação efetiva do chamado socialismo real trouxe para a ordem do dia dos teóricos da esquerda de corte marxista, como item essencial, a necessidade de um verdadeiro aggiornamento ideológico. Parece ter ficado evidenciado claramente representarem a democracia e os direitos de cidadania componentes fulcrais de qualquer formulação comprometida com o estabelecimento de uma sociedade apta a oferecer ao homem condições de vida material e de existência espiritual superiores às vigentes no modo de produção capitalista. Logo, é impossível pensar-se uma nova forma de sociabilidade – socialista, caso se queira chamá-la assim – sem admitir que ela terá de assentar-se, necessariamente, sobre três princípios basilares: a inexistência da propriedade privada sobre os meios de produção, a vivência democrática e o absoluto acatamento dos direitos de cidadania tomados em sua integralidade.(1)
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Destarte, garantir a plena vigência da democracia e "lutar" pelo socialismo, além de se mostrarem tópicos políticos indissociáveis, correspondem a um só e único objetivo, não podendo, portanto, serem contemplados como instâncias táticas e/ou estratégicas distintas.
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Fixado este primeiro ponto, atenhamo-nos às questões suscitadas pela globalização.
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A adoção de práticas econômicas ditadas pelos neoclássicos e incorporadas pela ideologia neoliberal acarretou, tanto em países mais avançados como em nações subdesenvolvidas, um leque de retrocessos socioeconômicos no qual compareceram, segundo distintos graus de intensidade, as seguintes mazelas: desindustrialização, maior concentração da renda e da riqueza, desemprego aberto e larga ampliação do mercado informal de trabalho; a par disso, direitos trabalhistas e previdenciários viram-se duramente atingidos, a proteção propiciada pelo Estado aos trabalhadores foi reduzida, ocorrendo o mesmo no âmbito dos serviços sociais em geral: saúde, educação, segurança e habitação. Correlatamente, em muitas nações a emigração desordenada de deserdados aumentou dramaticamente afetando a vida de milhões de pessoas, a cujas carências materiais somaram-se incontáveis padecimentos de ordem moral e o dolorido desenraizamento com respeito às suas plagas natais. Não obstante o tamanho incomensurável dos prejuízos já havidos, poderão vir a se dar novos cortes na esfera econômica e na órbita dos direitos políticos e trabalhistas de há muito adquiridos.
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Enfim, para os desprivilegiados, a globalização sinonimiza com perdas econômicas e políticas, sendo de se esperar a ocorrência de mais pressões nesses dois campos. Assim, apenas a resistência democrática e a reconquista dos direitos perdidos serão capazes de barrar os avanços das práticas lesivas impostas pela globalização. Disso se infere a existência de um elo imediato entre o combate ao neoliberalismo e a ação voltada à defesa dos direitos democráticas e de cidadania.
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Vejamos, num terceiro e último lapso, os problemas afetos à traumática atuação político-militar, em escala planetária, dos norte-americanos.
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Embora a guerra promovida no Afeganistão contra seus ex-parceiros do Talibã e da Al Qaeda e a desencadeada no Iraque contra um outro seu ex-aliado representem a continuidade(2) da política intervencionista norte-americana, sobretudo a aventura contra Saddam Hussein enriqueceu sobremaneira o currículo do militarismo dos EUA. Como sabido, a motivação aventada para a derrubada do regime iraquiano cingiu-se a um aranhol de mentiras e de informações forjadas as quais não resistiram à análise mais superficial e encontraram na ONU e nos próprios parceiros dos EUA seus primeiros críticos; isso para não lembrar os norte-americanos isentos que, desde a primeira hora, postaram-se contra o discurso insano de George W. Bush e as descabidas operações de guerra por ele capitaneadas. De toda sorte, o mínimo a dizer é que a farsa tragicamente encenada no Iraque significa um golpe dos mais fortes contra as normas consensualmente pactuadas no âmbito da ONU e consagradas pelo direito internacional e uma clara falta de subordinação à verdade dos fatos, sem a qual é impossível imaginar-se um mundo autenticamente democrático.
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Ademais, as humilhações, torturas e cerceamento extremado dos direitos – internacionalmente reconhecidos – dos prisioneiros mantidos nas prisões norte-americanas existentes no Afeganistão, no Iraque e em sua base cubana de Guantánamo demonstram até que ponto as forças militares norte-americanas e os atuais ocupantes da Casa Branca estão dispostos a levar a negação dos direitos de cidadania. Anunciam, de outra parte, que o severo cerceamento de liberdades, já imposto aos próprios norte-americanos e demais residentes em solo dos EUA, poderá ser alargado golpeando ainda mais fundamente direitos secularmente observados.
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Cumpre lembrar, por fim, já ter sido denunciado várias vezes o vínculo deletério, porque relacionado com a corrupção, existente entre detentores de altos cargos no governo norte-americano e conglomerados transnacionais cujas atividades distribuem-se por uma variada gama de atividades econômicas.
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Em suma, a união das teses de políticos ultraconservadores com os interesses da indústria de armamentos e os de conglomerados econômicos ligados aos ramos do petróleo e da indústria de "reconstrução" representa, juntamente com o processo maior de globalização, uma séria ameaça às liberdades, pois a persistência de tal aliança conduzirá os governos centrais, sob a égide dos EUA, a limitarem crescentemente, em nível mundial, os interesses da cidadania, o Estado de direito e o alcance das deliberações democraticamente concertadas.
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Caso este quadro venha a se verificar explicitar-se-ão os entraves do capitalismo com referência à democracia e aos direitos de cidadania; assim, a luta de resistência e reconquista de direitos por parte da esquerda terá de se ocupar de tais forças retrógradas de sorte a assegurar a efetivação das resoluções democraticamente alicerçadas e impedir o solapamento do Estado de direito. A luta pela democracia e pelos direitos de cidadania, elementos indispensáveis à constituição de uma eventual sociabilidade a ser instaurada futuramente, aponta, pois, para além das limitações próprias do modo de produção ora dominante.
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Evidentemente, com esta nossa constatação não pretendemos propor, aos que tomam o socialismo como algo desejável, um programa de atuação política balizado, tão-só, pela defesa da democracia e dos aludidos direitos. Abalançamo-nos, no entanto, a afirmar que, na elaboração da referida plataforma, deve ser emprestada importância máxima aos dois fatores aqui realçados.
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NOTAS
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(1) Sobre esta questão permitimo-nos indicar aos interessados a leitura do artigo: COSTA, Iraci del Nero da & MOTTA, J. F. Hegel e o fim da história: algumas especulações sobre o futuro da sociabilidade humana. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, número 7, dez. 2000, p. 33-54.
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(2) Sobre tal "continuidade" veja-se: COSTA, Iraci del Nero da. "E agora, Você?". Informações FIPE [boletim eletrônico]. São Paulo, FIPE, n. 267, p. 25, 2002.
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6.10.05

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O POPULISMO COMO RÉU
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Iraci del Nero da Costa
Agnaldo Valentin

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Tendo em vista a pertinácia demonstrada por alguns analistas com respeito à utilização de um grosseiro falseamento ideológico quanto ao significado do termo "populismo", vemo-nos na obrigação de retomar, nesta crônica, uma linha crítica já levantada por outros autores.
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Na meia centúria que se abre em 1930 e tem seu marco final nos anos 80, o Brasil conheceu expressivo crescimento econômico do qual resultaram a modernização de sua economia, sua industrialização e um vigoroso processo de urbanização. Ademais, como sabido, mudanças sociais e políticas de monta acompanharam as transformações verificadas em nossa economia; correlatamente, quanto ao comportamento de nossa formação populacional, já nos anos 60 observava-se a chamada transição demográfica, a qual se define como característica das sociedades economicamente mais avançadas.
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Tais alterações, como é do conhecimento universal, deram-se, durante quase todo o lapso temporal assinalado acima, sob a égide do fenômeno socioeconômico tipificado como populismo. Importa-nos, aqui, realçar duas de suas principais facetas: a política e a econômica.
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Visto segundo sua vertente política, o populismo supõe o vínculo imediato entre o líder carismático e as parcelas desprivilegiadas da população nacional; mediante tal relacionamento – e afastada ou neutralizada, portanto, a intermediação dos poderes legislativo e judiciário – opera-se a (des)mobilização, condução, manipulação e subordinação da massa de eleitores com menos posses e dos trabalhadores e seus dependentes em geral. A alimentar tal mecanismo comparecem, por vezes de maneira muito expressiva, algumas concessões pontuais no plano da participação política – ampliação do corpo eleitoral, voto secreto etc. –, na órbita da organização sindical – sempre sob a direção e estrito controle do Estado – e na esfera dos direitos trabalhistas, igualmente outorgados pelo Estado, e dos salários, que se vêem majorados e regulamentados.
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A esta perspectiva do populismo como fenômeno político agregou-se, em anos mais recentes, e formulada basicamente por intelectuais nitidamente identificados com o pensamento neoliberal, uma segunda vertente a qual poderia ser considerada uma caracterização do populismo econômico, ou tipificação dos procedimentos econômicos próprios do populismo. Justamente por terem sido desenhadas por elementos estranhos e contrários a elas, tais práticas foram imediatamente associadas à irracionalidade econômica e à irresponsabilidade na formulação e implementação de políticas econômicas. Foi o populismo, assim, referido à manipulação dos mercados; ao protecionismo dirigido a setores econômicos insuficientemente competitivos; ao controle arbitrário dos preços, do câmbio e das movimentações financeiras; a gastos desordenados em investimentos estatais cuja prioridade é discutível ou a condutas fiscais irresponsáveis; a juros artificialmente baixos e, em muitos casos, subsidiados para setores econômicos privilegiados; à expansão da ação do Estado na esfera produtiva; à utilização do imposto inflacionário como meio de arrecadar fundos para custear as ações e gastos do governo central; à geração de surtos inflacionários dos quais redunda a desorganização dos investimentos; à majoração de salários e proventos bem como ao alargamento irrefletido de direitos trabalhistas.
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Destarte, conseguiu-se assimilar a expressão populismo econômico, ou simplesmente populismo, a todo um conjunto de mazelas econômicas absolutamente indesejáveis pela maioria dos analistas e agentes econômicos e igualmente repelidas pela porção majoritária da população mais bem informada. Em face disto, basta imputar o apodo de populista a qualquer proposta que fuja à linha de pensamento neoliberal para afastá-la in limine e considerá-la um retrocesso a ser evitado a qualquer custo. Justamente neste ponto repousa o elemento ideológico denunciado na abertura deste escrito. Trata-se, na verdade, de um movimento ideológico com o qual se visa a transformar a crítica às políticas neoliberais em algo cediço, daí a escolha do termo populismo o qual já estava caracterizado como ultrapassado tanto do ponto de vista político – porque apegado a formas manipuladoras do voto e da vontade popular – como da visão econômica – porque comprometido com alguns métodos econômicos realmente superados. O aspecto ideológico revela-se por se poder desprezar toda e qualquer crítica com o só fato de dizê-la "populista"; desta maneira, os adeptos do neoliberalismo eximem-se da necessária tarefa de efetuar a análise aprofundada dos reparos que se podem levantar a suas proposições e aos programas implementados com base em suas recomendações. Detenhamo-nos na consideração dos dois subterfúgios básicos dos quais se servem os defensores do pensamento neoliberal para fugir das inevitáveis contestações a eles dirigidas.
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Como toda e qualquer intervenção no âmbito econômico pode ser referida à malfadada, e de antemão condenada, política populista, o primeiro expediente para se furtar a maiores explicações respalda-se na afirmação de que os mercados (e neles estará condensada quase toda a atividade econômica) são absolutamente intocáveis. Assim, caso seja divisada na crítica, ou na alternativa de política econômica aventada por terceiros, a menor possibilidade de ocorrer um cerceamento do livre funcionamento das assim chamadas "leis de mercado" – tidas em princípio como "naturais" – estará dado o ensejo para que tal proposição veja-se desqualificada por se tratar, meramente, de uma expressão do repudiado populismo.
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De outra parte, e aqui vai a segunda maneira de elidir a troca honesta de opiniões, as diversas intervenções efetivamente patrocinadas pelos adeptos do neoliberalismo vêem-se por eles justificadas pela ênfase emprestada ao objetivo maior ou ao fim último de tais manipulações, qual seja, o de evitar-se o mal maior, este sim, forte o bastante para distorcer irremediavelmente os sofisticados mecanismos de mercado regidos pelas aludidas leis naturais. Tomemos aqui dois exemplos: a taxa de juros e a sofrida desindustrialização pela qual somos vitimados.
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Assim, os juros são mantidos em patamares elevadíssimos porque se faz necessário criar o anteparo indispensável para barrar uma inflação sempre admitida como renitente e recorrente, cuja ausência momentânea não deve nos enganar, dirão eles, pois ela apenas dormita aguardando o momento de se fazer mais uma vez galopante e incontrolável.
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A inflação, aliás, lembrar-nos-ão os neoliberais, é uma das marcas indeléveis do populismo, dessarte, deixar de combatê-la motivados pela busca de uma política de juros mais lassa significará uma reprovável recaída de teor populista, a qual, evidentemente, é forçoso repelir. Verifica-se, pois, como é fácil tecer argumento falacioso com o qual se abona a manutenção dos altos ganhos com os quais beneficia-se o capital especulativo.
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Como avançado, outro exemplo pode ser colhido quando contemplada a desindustrialização por que passamos. A mídia divulgou recentemente a proposta formulada pelo Ministério da Fazenda e que serviria como base para negociações nos fóruns internacionais; pois bem, nela sugere-se uma ampla redução das tarifas de importação de bens industriais. Não obstante as declarações do governo de que se trata, tão-só, de um dos possíveis cenários vislumbrados e de que, na própria esfera palaciana, há fortes e públicas divergências sobre o tema, a imprensa noticiou de forma contundente a insatisfação dos setores nacionais associados ao capital industrial em face dos drásticos cortes tarifários previstos por aquele Ministério. Os representantes dos citados setores serviram-se das mais fortes tintas para ilustrar o quadro de devastação implicado numa eventual adoção das referidas taxas. A contradição se manifesta de forma inequívoca: a propositura do Ministério da Fazenda afirma a crença nos mecanismos clássicos de ajuste do setor industrial submetido à concorrência dos bens importados em um novo padrão de preços, em consonância com a descrição encontrada nos manuais de economia adotados nestas paragens. Nesse caso, cabe perguntar se o governo não seria mais um vez chamado de populista caso apresentasse uma proposta que blindasse o quase-eterno incipiente setor industrial brasileiro. Sem levar em conta a necessária implantação de uma efetiva política industrial, pretende-se perpetuar o tipo de negociação que nos é familiar desde quando os interesses em jogo eram os dos nossos vetustos produtores de café.
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Como evidenciado acima, nas duas maneiras básicas mediante as quais os partidários do neoliberalismo procuram esquivar-se – desqualificação dos argumentos contrários e busca de justificativa para suas práticas intervencionistas –, o populismo comparece como réu a ser prontamente condenado. Correlatamente, com base nos aludidos estratagemas, se oferece salvo-conduto aos admiradores da teoria econômica neoclássica. Em suma, o populismo é tomado, tão-somente, como pretexto para se perseverar na política econômica propugnada pelos neoliberais.
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Ademais, a utilização de um rótulo pejorativo para qualquer proposição não abonada pelos que se tomam como altos prelados do conhecimento econômico condena-a virtualmente ao poço das idéias mortas, afirmando continuamente o monocórdico padrão de “pensamento único” – a forma final da construção ideológica que nos é impingida. Ora, como bem sabemos, a parte mais substantiva das críticas às postulações neoliberais e às medidas nelas inspiradas não têm um caráter populista, mas visam à aplicação efetiva de alternativas dos mais diversos gêneros; persegue-se, como evidenciam inúmeras publicações e pronunciamentos, um redirecionamento de fundo na orientação ora emprestada aos distintos campos de nossa vida econômica, reordenação esta capaz de garantir um grau maior de autonomia ao Brasil e o crescimento sustentado, vale dizer, o desenvolvimento econômico apto a promover a inclusão efetiva de toda a população nacional ao mundo produtivo e ao mercado de consumo, cumprindo-se assim uma premissa básica para se lançarem as bases de uma sociedade brasileira justa e equilibrada.
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22.9.05

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A CRISE, ORA A CRISE
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Iraci del Nero da Costa
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Em face da crise política da qual o Brasil é presa, são amiudados os comentários sobre o descolamento do "político" com respeito ao "econômico". Como se afirma, a evidência de tal independência nos é propiciada pelo "bom" comportamento das variáveis e demais indicadores de ordem econômica numa quadra marcada por uma situação política na qual se multiplicam os escândalos e a corrupção toma os mais diversos escaninhos da vida partidária, do executivo federal e do poder legislativo nacional.
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Segundo alguns, tal separação entre as aludidas esferas, além de parecer surpreendente, assinalaria o amadurecimento por nós alcançado. Chega-se mesmo a efetuar comparações entre o Brasil e países altamente desenvolvidos nos quais se observaria essa indiferença do econômico vis-à-vis o político, mesmo quando nesta última instância verificam-se grandes turbulências.
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A par de ser discutível essa concepção de "amadurecimento", e além de ser possível ter havido a pretendida "aproximação" entre nós e nações mais desenvolvidas, parece ser recomendável uma reflexão mais detida sobre o fenômeno com o qual ora nos defrontamos.
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Tudo indica prevalecer nos dias correntes uma condição na qual tanto a presença do Estado na vida produtiva como a ação política desenvolvida pelos poderes executivo e legislativo tornaram-se irrelevantes com respeito ao desempenho da economia brasileira.
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Na verdade, vivenciamos desde o fim da década de 80 um processo – conscientemente perseguido seja pelo executivo seja pelo poder legislativo – que visa a isolar o plano econômico da ação política, em geral, e das ações econômicas empreendidas pelo Estado, em particular. Assim, tanto mudanças institucionais como alterações constitucionais têm sido implementadas com vistas a afastar direitos trabalhistas e a manietar a atuação do Estado sobre a órbita econômica. O governo e suas principais instituições gestoras têm agido de sorte a garantir o cumprimento de seus deveres para com os credores e a proporcionar ganhos substanciais ao capital especulativo. Trata-se, de fato, de uma maneira subalterna de o Brasil inserir-se na assim chamada mundialização das finanças a qual se define como uma das facetas da globalização do capital e da produção.
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Deu-se, assim, um efetivo afastamento do Estado com referência à área econômica. Este distanciamento torna-o, como avançado, irrelevante da perspectiva econômica e garante o referido descolamento, o qual, não obstante as afirmações bisonhas acima lembradas, não pode ser visto como surpreendente, pois decorre, como anotado, de uma postura política e ideológica assumida de maneira consciente e, como tal, aceita como elemento integrante do programa neoliberal sistematicamente implementado pelos distintos governantes aos quais coube, no correr dos últimos três lustros, decidir sobre os rumos da política econômica a ser adotada em âmbito nacional.
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Ademais, como anunciado acima, não parece ter ocorrido nenhum amadurecimento ou avanço; antes pelo contrário, deu-se uma verdadeira regressão, pois, além de dependermos cada vez mais das vicissitudes da economia mundial – correndo crescentemente o risco de nos tornarmos um mero apêndice dela –, cada vez mais nos comprometemos com a posição de grandes fornecedores de ganhos excepcionais para o capital financeiro.
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Eis, pois, esboçado o quadro no qual nos movimentaremos no futuro imediato: enquanto a economia patina, nossa vida política perde-se numa crise sem fim.

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7.8.05

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DOIS ERROS FATAIS
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 2 de agosto de 2005

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Ao que parece, uma parte degenerada da direção do PT, e mesmo uma parcela sadia de sua militância, confundiram a conquista do poder – por meio democrático e sujeito a regras institucionais e constitucionais estritas – com a tomada do poder por meios revolucionários, tenham eles o caráter da extrema esquerda ou da direita de feição nazi-fascista. No caso em que a chegada ao poder deve-se à luta armada, faz-se o que se quiser, pois a direção política é empolgada de maneira absoluta e não tem de se submeter a qualquer lei ou ordenamento maior que não seja o da vontade arbitrária dos novos mandantes.
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Se isso for verdade, teremos visto ocorrer no Brasil uma situação simétrica à vivenciada pela antiga URSS e pelo mundo colocado sob sua órbita. Naquele caso, os revolucionários não souberam reduzir a tomada armada da direção política às dimensões da conquista e da vivência democráticas, únicas formas capazes de garantir, no longo prazo, a conquista efetiva das mentes e dos corações de populações que se querem livres e independentes.
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Já os petistas acima referidos tentaram fazer da conquista democrática uma contra-facção de tomada armada do poder político e pretenderam imprimir a tal vitória, alcançada nas urnas, o mesmo conteúdo autoritário verificável no mundo dominado pelos soviéticos e na infeliz Cuba, a qual tanto amamos e pela qual tanto nos consternamos.

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No caso brasileiro o falseamento aludido evidencia-se por dois fatores claramente identificáveis.

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O primeiro prende-se à verificação imediata da inexistência, entre nós, dos atos de bravura e de autêntica abnegação observáveis tanto na história de Cuba como na da URSS.

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O segundo elemento poderia ser tido, a um tempo, como organizacional e ideológico, vale dizer, a estrutura na qual se integrou o grupo liderado por Luiz Inácio da Silva jamais distinguiu-se por uma dimensão ideológica mais elaborada, por um comprometimento mais profundo com a construção de um pensamento de esquerda solidamente embasado do ponto de vista teórico; não, ficou-se, tão-somente, na rama das declarações favoráveis a mudanças das quais resultaria uma sociedade mais igualitária e menos injusta. A facilidade com que se abandonaram tais ideais – agora tidos como meras bravatas – denuncia o absoluto vazio ideológico do grupo em apreço.

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A projeção de tal descomprometimento teórico no plano organizacional revela-se quando se considera a relação entre dois pólos distintos: de uma parte o grupo de Luiz Inácio da Silva, de outra banda o Partido dos Trabalhadores tomado em seu todo e as instituições governamentais. Não parece haver dúvida de que esse líder político atuou de modo a criar em torno de si um grupo de subordinados e seguidores que têm agido de maneira independente e solidária tanto no PT como nos organismos do governo sobre os quais conseguiram estabelecer seu domínio.

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Esse grupo, que se corrompeu de maneira cabal e ao qual podem ser atribuídos vários crimes políticos, administrativos e de ordem econômica, está cercado por uma liderança a qual, embora não esteja envolvida em crimes de ordem maior, mostra-se tíbia e vacilante; ademais, em muitas oportunidades, alguns de seus membros têm procurado, cínica e hipocritamente, encontrar explicações para a atuação daquele grupo em tudo assemelhado a uma verdadeira quadrilha.

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Aos líderes que não se deixaram levar pelo turbilhão de erros e à parte sadia da militância petista resta a tarefa de repensar a organização partidária, seus compromissos políticos e as perspectivas de ascensão ao poder, agora como uma conquista democrática e não como uma tomada irresponsável.

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Clio, a implacável deusa da História, decidirá, pelas urnas, se ainda resta uma oportunidade de recuperação para essa agremiação, ora falida.
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29.6.05

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SOBRE A MEDIUNIDADE: VISÃO DE UM IRRESPONSÁVEL
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Iraci del Nero da Costa (*)
São Paulo, junho de 2005

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Se me fosse exigida uma profissão de fé antropológica, constariam dela dois pontos básicos. Primeiramente, confessaria minha total ignorância quanto à matéria e me indiciaria como irresponsável por atrever-me a dela tratar. Num segundo passo, me diria adepto da idéia segundo a qual, a sociedades com o mesmo substrato socioeconômico, podem corresponder "superestruturas" as mais diversas. Vale dizer, àqueles substratos similares somar-se-iam elementos subjetivos, experiências e vivências coletivas, visões de mundo e perspectivas ideológicas peculiares a cada uma das comunidades; elementos esses condicionantes das diferenças observadas entre as aludidas superestruturas.
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Explicitados estes pressupostos, permito-me algumas considerações sobre uns poucos aspectos das concepções religiosas de distintas culturas.
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A meu ver, o advento da crença na existência de espíritos que se incorporam em determinadas pessoas (1) deve ter-se dado em comunidades nas quais não se havia desenvolvido uma hierarquização marcante entre seus integrantes. Assim, "ouvir" ditames exarados por "superiores" aos quais se deveria acatar sem maiores objeções só tornou-se viável mediante o artifício da referida incorporação. Estava-se, desta maneira, não em face das "opiniões" de um igual, mas perante o superior entendimento de uma entidade colocada acima dos "meros mortais" componentes de uma comunidade de "iguais". Tal fala transcende, pois, por definição, a visão parcial e discutível de um parceiro, transformando-se no conselho, e no limite numa ordem, ditados por um ente situado num escaninho que paira sobre todos e cada um dos integrantes da comunidade; ente este detentor da autoridade conferida pelo fato de ele se mover em uma esfera posta acima daquela na qual encontram-se os simples mortais.
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Quanto às religiões afro-brasileiras é mister considerar que o processo de hierarquização dos sacerdotes e sacerdotisas deve-se à maior ou menor capacidade de comunicação dos médiuns com os espíritos, ou seja, a diferenciação hierárquica dos religiosos estrutura-se com base no grau relativo de "prestígio" de cada pai ou mãe-de-santo. Nesse sentido, pode-se afirmar que a hierarquização, frouxa aliás,(2) vê-se diretamente afetada pelo artifício da incorporação acima anotado. Já no que tange à hierarquização no seio de cada terreiro – ou seja, à que se estabelece no processo de formação religiosa e relacionamento entre os membros de cada grupo –, não parece restar dúvida de que a ascensão à condição de pai ou mãe-de-santo prende-se, imediatamente, ao conhecimento e domínio de práticas mágicas e à capacidade pessoal de comunicação com o plano espiritual.
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No caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo (3) a existência de profetas e mesmo a de um Messias pode ser assimilada à idéia das aludidas incorporações. Não obstante, no caso dessas religiões parece ter ocorrido um paulatino e continuado afastamento dos "espíritos", dos profetas e que tais para uma órbita própria e sem comunicação amiudada com os terráqueos. Destarte, definiu-se uma instância de santos e quejandos os quais apenas excepcionalmente mantêm contato com seus seguidores.
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Correlatamente, a interpretação dos livros santos, os "conselhos" e as "ordens" passaram a fixar-se institucionalmente, ou seja, a ser atribuição de sacerdotes hierarquicamente organizados. A este respeito, é interessante notar que mesmo a dissidência protestante manteve elementos da referida hierarquização; ademais, muitas das seitas derivadas do protestantismo que pretendem uma volta aos velhos tempos das intervenções milagrosas do poder divino não só antepuseram-se mais decididamente à rigidez hierárquica, mas, além de representarem uma regressão a práticas próprias da magia,(4) e talvez por isso mesmo, também reaproximaram-se de posturas as quais supõem um contato direto, quase imediato, com o mundo dos espíritos.
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Assim, certas seitas ocupam-se da expulsão de espíritos malignos – associados ao Diabo – que teriam assumido o comando dos corpos de alguns candidatos a fiéis; estes últimos, por seu turno, são "revelados" pelos assim chamados pastores ou bispos, os quais detectam males e encaminham a cura de doenças físicas e males espirituais que afetam os membros de seus "rebanhos". Neste último caso a inspiração viria diretamente de Deus, o qual seria a fonte do poder daqueles sacerdotes, aos quais caberia, também, promover o bem-estar material e financeiro de seus dizimistas.


............................................NOTAS

(*) Agradeço os comentários e sugestões de Lívia Maria Pedalini.
(1) Não trato aqui do advento da crença numa forma de existência após a morte nem me ocupo dos espíritos em si, preocupa-me apenas, como expressamente afirmado, a emergência da crença na referida incorporação. Tenha-se presente, ademais, que o surgimento de tal fenômeno não decorreu, a meu ver, de um ato conscientemente planejado pelos "primeiros" médiuns; deve ter-se dado como um complexo comportamento psicológico, o qual, em face da rica experiência social dele decorrente, foi, paulatinamente, integrado à vida coletiva das mais diversas comunidades.
(2) As religiões afro-brasileiras, embora guardem um caráter "universal", marcam-se por um alto nível autárquico; destarte, cada grupo de seguidores reúne-se em torno de uma dada liderança. Tais grupos, ademais, concorrem entre si. Assim, a hierarquização ora referida diz respeito ao maior ou menor prestígio social (aqui entendido como grau de respeitabilidade religiosa) de cada pai e mãe-de-santo, não implicando, portanto, a institucionalização hierarquicamente organizada das aludidas lideranças, a qual, como sabido, não existe em termos formais. Note-se, ainda, que aludo à hierarquia existente "entre" distintos grupos, pois a prevalecente "dentro" de cada grupo (ou terreiro) será enfocada logo a seguir.
(3) Como sabido, para os muçulmanos Jesus Cristo é tido como um profeta.
(4) Decorrências imediatas desta regressão a práticas mágicas são dadas pela promoção de curas milagrosas e pelas promessas de ganhos financeiros e materiais em troca dos dízimos e do óbolo sempre presente em toda campanha promovida por grotescos negociantes de benesses divinas, figuras essas que se comportam como proprietários dessas "denominações de resultados".
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10.6.05

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EUA E CHINA: INIMIGOS FRATERNAIS
(Observações pouco confiáveis de um não-expert)
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, janeiro de 2005

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.....O endividamento crescente dos EUA – com a geração de déficits de grande monta –, além de expressar o papel dominante de sua enorme economia e sua correlata capacidade de emissão de "valores" puramente nominais (moeda de reserva), é funcional com o rápido crescimento econômico de muitas das economias "orientais" – sobretudo a da China –, as quais absorvem o papel moeda emitido pelos EUA e conhecem altas taxas de crescimento industrial calcado, em larga medida, nas exportações dirigidas aos EUA.
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.....Tal mecanismo garante, ademais, massivos investimentos do "mundo ocidental" naquelas economias e possibilita que os governos orientais mantenham taxas de juros das mais baixas.
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.....Evidentemente, tal situação não poderá perdurar indefinidamente. Para evitar grandes perdas, caso se rompa o equilíbrio instável prevalecente no momento, os ditos governos orientais terão de encontrar formas para ativarem e mobilizarem seus imensos mercados internos, os quais, por ora, existem apenas potencialmente, de sorte a fazê-los absorverem a atividade da capacidade produtiva empregada, nos dias correntes, na produção de bens vendidos para o exterior.
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.....Como se vê, a "cordialidade" entre chineses e norte-americanos assenta-se em um formidável arranjo econômico benéfico para ambos os lados. Os norte-americanos parecem ser orientados pelo oportunismo, já os chineses estariam a se aproveitar da condição hoje imperante visando, talvez, a construir e sedimentar um caminho que os faça chegar a níveis superiores de emprego, renda, produção e domínio de sofisticadas técnicas produtivas.
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.....Num futuro que não parece estar muito distante, conheceremos novos capítulos deste jogo pelo poder político e econômico. Jogo esse no qual vêem-se envolvidos, entre outros, a rebelde Taiwan assim como o Japão, cujas atitudes belicosas – assumidas em um passado que já parecia dormitar na história –, são relembradas, de modo evidentemente extemporâneo, por uma China ávida de conquistar espaço político e econômico tanto no extremo oriente como no cenário maior da economia mundial globalizada. Como se observa, o Japão, o qual não soube assumir, no plano político, o papel de líder econômico oriental que desfrutou por alguns lustros do século passado, vê-se hoje desafiado e, em certa medida, deslocado por uma China que não pretende passar despercebida, mas procura, ao contrário, a maior visibilidade possível.
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7.6.05

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NOTAS SOBRE PROCEDIMENTOS DE PESQUISA:
ALGUNS ELEMENTOS A SEREM CONSIDERADOS NO ESTUDO DE NOVAS ÁREAS INCORPORADAS AO ECÚMENO
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Iraci del Nero da Costa
Agnaldo Valentin
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Quando se analisa o processo de incorporação de uma área (*) ao ecúmeno é recomendável atentar, antes do mais, para seus predicados geográficos e os fatores que atuaram no sentido de atrair seus ocupantes. Quanto a estes, é preciso procurar reconhecer suas expectativas e os eventuais planos que formularam quando decidiram deslocar-se para tal área e ocupá-la. É necessário, ademais, efetuar o levantamento de seus conhecimentos, de seu preparo para a promoção do aproveitamento da região ocupada e dos bens com que chegaram a ela. Igualmente relevante é a determinação das relações estabelecidas entre as pessoas cujo deslocamento está sendo contemplado: vieram elas em grupos? são pioneiros isolados (solteiros) ou seus familiares foram deixados em outras plagas para, eventualmente, serem chamados num segundo momento?
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Com respeito ao local para o qual se dá o deslocamento, além dos elementos de ordem geográfica, já lembrados acima, e das eventuais aptidões da área em termos da disponibilidade de recursos, qualidade das terras, vias fluviais existentes, clima, regime térmico e de chuvas, condições pedológicas e perfil do terreno (montanhoso, plano, recortado etc.), deve-se emprestar especial atenção para as vias de comunicação já existentes assim como para a abertura de novos caminhos e rotas e seu desenvolvimento no espaço e no tempo, ou seja, tem-se de tomar em conta a disponibilidade de caminhos (terrestres, lacustres, marítimos e fluviais) que possam servir ao escoamento da produção local e ao recebimento de bens, serviços e informações de outras áreas.
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Caso se trate de um ambiente com predominância do sistema escravista é forçoso saber como esta região se vincula com as redes de comercialização de cativos, quais são os mercados fornecedores de mão-de-obra servil e quais os liames comerciais estabelecidos entre essas regiões.
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De outra parte, ao apreciarmos o processo de acumulação é imprescindível levar em conta os distintos momentos estudados, considerando, também, que cada fase (reconhecimento, ocupação, alargamento da ocupação, fixação definitiva, expansão produtiva, estabelecimento de comércio sedentário e desdobramento de núcleos rurais e urbanos etc.) apresenta determinados limites para o processo de acumulação individual e do corpo social visto como um todo. Vale dizer, deve-se considerar que, ao lado do dinamismo e da capacitação de caráter pessoal (ao lado da acumulação em termos individuais) existem potencialidades objetivas que dão o ritmo ao processo de "acumulação do conjunto social local", potencialidades estas as quais, a cada passo, atuando como um fator sobredeterminante, estabelecem o balizamento dos processos individuais de enriquecimento. Ademais, o nível de vinculação entre a área em foco e as redes de comércio regionais, "nacionais" e internacionais condiciona tanto o processo local de acumulação como, por conseqüência, os caminhos pessoais de enriquecimento.
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Revela-se como tópico da mais alta importância, pois, a definição pormenorizada do padrão de acumulação seguido no correr do tempo pelo núcleo tomado como um todo e em sua interação com o meio "nacional" e o internacional. Paralelamente, nos quadros de tal padrão, é necessário verificar como se processa, a cada lapso, o desempenho dos distintos agentes econômicos que se desenvolveram na área. Aqui, além dos indivíduos, terão de ser considerados os diferentes segmentos ocupacionais existentes localmente.
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No tocante às pessoas e aos grupos cuja atração deu-se num segundo momento do processo de ocupação (depois de efetuado o reconhecimento, o desbravamento da área e de ter-se iniciado a sedimentação do novo núcleo), impõe-se a averiguação detalhada de seus atributos de caráter objetivo e subjetivo. Quais as características desse(s) novo(s) grupo(s)? Seu nível de conhecimento e informação? Sua riqueza? Qual a composição do conjunto de seus bens (inclusive e sobretudo de escravos, se for o caso)? Quais as formas de transmissão e manutenção da riqueza através das gerações? Enfim, deve-se, sempre, qualificar as distintas "ondas" de novos ocupantes e, para cada uma dessas "levas" (desses momentos), as particularidades dos diferentes grupos e pessoas que as compõem, ponderando o duplo condicionamento existente entre os novos grupos e aqueles já instalados anteriormente.
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Não se deve esquecer, ainda, que tais regiões certamente conheceram um fluxo populacional, vale dizer, há que se reconhecer os fatores promotores tanto da imigração como da emigração. Ao investigador cabe a ponderação de ambos os movimentos, buscando associá-los ao já citado processo de “acumulação social”. Assim, por exemplo, constatar a intensificação ou arrefecimento da associação entre negócios e ligações familiares pode fornecer um indicador relativamente contínuo do dinamismo local, assim como desvendar vínculos que dificultem a aludida mobilidade de setores da sociedade estudada, especialmente em momentos econômicos adversos.
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Cumpre notar, por fim, a relevância assumida pelos elementos arrolados acima quando se pretende estabelecer comparações entre o comportamento no correr do tempo das distintas condições sobre as quais se alicerçaram nossas localidades. Sem o conhecimento mais denso dos caminhos por elas trilhados e dos substratos de ordem objetiva e subjetiva que informaram e enformaram o desenvolvimento de cada área, o mero confronto de uns poucos indicadores estatísticos revela-se ilusório, pouco profícuo e, portanto, absolutamente inútil. Assim, ao dirigirmos nossos esforços para a construção de uma história regional solidamente embasada no conjunto das ciências sociais colocadas à disposição do historiador estaremos, correlatamente, erigindo as bases indispensáveis aos confrontos dos quais resultará a identificação dos vários padrões de evolução que certamente estiveram presentes na formação das "populações" e das "economias" brasileiras.
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(*) Neste texto nos permitimos tomar, como sinônimos, os termos "local", "núcleo", "área" e "região".
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14.5.05

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COLCHA DE RETALHOS: OPINIÕES NÃO SISTEMÁTICAS SOBRE A CIÊNCIA DA HISTÓRIA
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, abril de 2005
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I. Uma primeira aproximação. Sobre o caráter "revolucionário" da ciência da História.
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Num primeiro momento a história visou a fixar o passado; a este respeito as palavras de Heródoto ao justificar sua obra seminal são paradigmáticas. Num segundo momento, os historiadores passaram a ordenar, concatenar e tentar explicar os fatos do passado, buscando, ademais, determinar as leis gerais sobre o evolver da história humana. O conhecimento assim produzido culminou, num terceiro lapso, na obra de Hegel e, particularmente, na de Marx. A contar destes dois autores, a história da humanidade passou a ser vista como um caminhar da "necessidade" para a "liberdade"; vislumbrou-se, assim, o fim da história "natural" do homem. A partir de tais obras o futuro pôde passar a ser pensado como uma construção conscientemente dirigida pelo espírito humano. Vale dizer, anuncia-se que o homem pode deixar de ser conduzido por "leis cegas" da natureza para tornar-se senhor consciente de seu futuro.
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Com a obra de tais autores a história como ciência, a nosso juízo, viu-se superada, pois já teria cumprido seu papel ativo no sentido do estabelecimento de uma visão teórica na qual se insere a perspectiva de um futuro a ser "posto", conscientemente, pelo homem.
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Neste quarto momento o conhecimento histórico assume o que tenho chamado de caráter "construtivo", "formativo" ou "constitutivo" de cidadãos abertos ao novo, às mudanças, à diversidade e aptos a perseguirem, com base na democracia, a instituição de um mundo dominado pela liberdade, pela fraternidade e pela igualdade. O papel – ou o caráter – "revolucionário" da ciência da História foi, pois, superado, agora ela atua no sentido da formação de homens capazes de lutarem por uma nova forma de sociabilidade.
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II. Contemplando a história de uma perspectiva histórica.
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Pode-se advogar ser a curiosidade um elemento do perfil humano o qual foi selecionado no processo evolutivo das espécies. Os avanços e conquistas devidos à curiosidade são óbvios o bastante para dispensar qualquer comentário adicional.
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Presente em nossa conformação mental, tal predicado pode dirigir-se aos mais variados objetos; alguns deles serão "úteis" e "produtivos", já outros, por seu turno, embora possam ser tomados como "construtivos", não guardam maior afinidade com o mundo da produção de bens materiais ou com as atividades enquadráveis como serviços indispensáveis ao bem-estar material dos seres humanos. Nesse sentido, tais objetos podem ser vistos como "fúteis"; nesse caso a "curiosidade" dobra-se sobre si mesma e o resultado de tal processo é o exercício da "curiosidade pela curiosidade".
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Segundo penso, vastas áreas do conhecimento histórico, depois das formulações de Hegel e de Marx, tornaram-se um objeto com este último caráter; trata-se, na verdade, de um mero hobby, vale dizer, é tão útil e essencial como um hobby e, como tal, pode ser definido, igualmente, como algo supérfluo e acessório. Avançando nesse caminho da superfluidade à qual podem ser associadas muitas áreas concernentes ao estudo do passado, podemos nos permitir tomá-las como formas ingênuas de "voyeurismo".
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Como já assinalei algures, o papel ativo do conhecimento histórico como elemento indispensável à compreensão da vida social da humanidade de sorte a lançar luz sobre a necessidade e a possibilidade de revolucioná-la encerra-se com a obra de Marx, a qual propõe a superação da história "natural" do homem; caso tal superação venha efetivamente a ser estabelecida, a história da humanidade ver-se-á colocada em novo plano, pois, terá de ser vista como história posta conscientemente pelo homem e não mais como decorrência de forças externas à nossa consciência.
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A nosso ver, o papel crucial desempenhado pela ciência da História na elaboração da visão de mundo formulada por Marx pode ser utilizado para compreendermos as palavras pejorativas deitadas por Hegel: "Lo histórico, es decir, lo pasado, como tal, ya no es, está muerto. La tendencia histórica abstracta a ocuparse com cosas muertas se ha propagado muchísimo en la época moderna. Tiente que estar muerto el corazón, cuando se quiere encontrar satisfacción en ocuparse con lo muerto y con los cadáveres. El espíritu de la verdad y de la vida vive solamente en lo que es (...) la posesión de los conocimientos simplemente históricos es como la posesión legal de cosas que no sirven para nada." (HEGEL, J.G.F. Historia de la Filosofía. Argentina, Ed. Aguilar, 1971, p. 88).
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Da perspectiva que nos foi aberta pela aludida visão de mundo, é possível afirmar não ser a ciência da História, após superada, uma produtora de "corações mortos", mas, sim, que passou a ocupar uma nova função com respeito à formação do homem; assume o conhecimento histórico, assim, o que tenho chamado de caráter ou papel "construtivo" no processo continuado de refinamento do espírito das novas gerações.
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III. Sobre o caráter "construtivo" da história.
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O papel construtivo da ciência da História – e, em termos mais genéricos, dos estudos votados ao passado da humanidade – é, sobretudo, civilizatório, forjador da cidadania, vale dizer, de espíritos abertos para mudanças e respeitadores da diversidade. A exposição do homem ao conhecimento do passado, por via de regra, habilita-o superiormente para a vivência democrática, pois tal experiência alarga seu horizonte cultural, o põe em contato com os múltiplos caminhos percorridos pela espécie humana, evidencia a multifacetada riqueza das diferentes culturas que empolgaram, em distintos momentos, os mais variados povos e lhe proporciona os elementos indispensáveis para que lhe seja possível formular sua própria opinião com respeito às bases sobre as quais se assentam sua formação e sua particular visão de mundo; permitindo-lhe, ademais, definir suas relações com seu meio, sua geração e todos os demais humanos.
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Como avançado, o caráter do saber histórico é essencialmente "construtivo" ou "formativo" e não "produtivo"; como sabido, esta última função é integrada à formação do indivíduo mediante o domínio de outros ramos do conhecimento. Destarte, enquanto a História contribui para a "construção" do cidadão consciente, livre e capaz de pensar autonomamente, outros campos do saber atuam de sorte a capacitar as pessoas para a vida produtiva, para a elaboração de bens e serviços, daí o caráter aqui chamado de "produtivo" de tais áreas das ciências e das técnicas.
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Ao lado da História alinha-se, por exemplo, a Filosofia, a qual, como aquela, só desempenha, mediatamente, uma função "produtiva", pois também se distingue por seu papel eminentemente "construtivo", ou "formativo" se se desejar empregar uma expressão paralela.
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IV. À moda de Alberto Caeiro.

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Este texto restaria incompleto se não enfatizássemos um importante aspecto do conhecimento histórico que não ficou devidamente explicitado nas ponderações expendidas acima.

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A meu ver é preciso atentar para o papel instrumental que o conhecimento histórico, e as ciências sociais em geral, estão chamados a desempenhar na formulação de projetos políticos destinados a conduzir a ação das pessoas que pretendam promover a superação das condições imperantes em dado momento ou sociedade e a lutar pelo estabelecimento de um novo tipo de sociabilidade. Neste caso, o conhecimento histórico não pode ser tido como o exercício de um hobby, pois recupera seu papel ativo (instrumental como avançado acima) no sentido de fornecer elementos indispensáveis à superação do statu quo.
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Em tal circunstância, evidentemente, a História, como campo do saber, não se fecha em si mesma, pois se vincula imediatamente às demais ciências sociais e, sobretudo, à ação política; trata-se, como visto, de um saber dirigido imediatamente à transformação das condições socioeconômicas e políticas dadas. Trata-se, ademais, de um conhecimento vinculado a condições concretas específicas de uma nação, um grupo de nações, ou de um particular momento da história da humanidade. (1)
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Tal raciocínio pode nos levar ao reconhecimento de distintos "níveis" ou planos do conhecimento histórico. Um primeiro, mais geral, que teria servido às formulações de Hegel e, sobretudo, às de Marx. Um segundo, preso a condições concretas, próprio à formulação de programas de ação política. E, por fim, um terceiro; esse sim, dominado pela curiosidade difusa sobre o passado, plano este assimilável ao exercício de um hobby cujos resultados cumpririam as funções "construtivas" ou "formativas" advogadas nos tópicos iniciais deste texto.
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NOTA
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1. A meu juízo seria muito estimulante considerar as obras mais expressivas de Caio Prado Júnior e de Celso Furtado à luz dessas afirmativas. Para alguns, eles estariam, tão-só, a escrever particulares "histórias" do Brasil; não obstante tais opiniões, creio que essas obras vão muito além do "fazer história", pois definem-se como verdadeiros programas de ação votados às mudanças que esses autores julgavam necessárias para o estabelecimento, no Brasil, de uma sociedade menos excludente e mais democrática.
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