4.10.04

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PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL: NOTAS DE UM AMADOR SOBRE O ESTADO DA ARTE


Iraci del Nero da Costa
São Paulo, 3 de outubro de 2004




Alguns analistas políticos, por mim considerados açodados, estão a anunciar o domínio do cenário político brasileiro pelos dois partidos que teriam consolidado sua hegemonia nas eleições municipais ora em curso: o PT e o PSDB.

Embora seja possível identificar um efetivo processo de canibalização de muitos partidos, inclusive dos mastodônticos PFL e PMDB, pelo PSDB e, sobretudo, pelo PT, afirmar como definitiva a bipartidarização da vida política brasileira parece corresponder a uma opinião sem respaldo mais sólido em nossa realidade político-partidária, daí seu caráter impressionista e precipitado.

Tal caráter deriva, a meu juízo, de três condicionantes básicos.

Em primeiro, comparece o desejo de petistas e peessedebistas de comandarem a vida política nacional. Trata-se de nossa nova direita, a qual almeja sobrepor-se à velha direita encarnada nos herdeiros da Arena (PFL e PP), ao grande partido populista de centro em que se transformou uma parte do MDB sob a forma do PMDB, e que visa, igualmente, levar os eleitores a esquecerem tanto as promessas social-democratas do antigo PSDB comandado por intelectuais então tidos como ideólogos sofisticados e políticos refinados, assim como as já definitivamente enterradas esperanças de mudanças de fundo propaladas por um PT de líderes operários autênticos e imaculados. A esta nossa nova direita interessa, como avançado, um eleitorado mais ou menos apático, perdido entre duas siglas anódinas dirigidas por homens aos quais basta a esqualidez e impessoalidade do governador de São Paulo, os discursos chorosos de um presidente inteiramente dessangrado, ou que se assustam com a veemência das falas de um vice-presidente que ainda traz impressas, no sotaque e na sinceridade bonachona, as marcas de nosso tão tradicional, querido e bom caipira.

De outra parte, temos a ação continuísta do atual governo federal. Ao endossar a política econômica implantada pelo governo FHC, o presidente Luiz Inácio da Silva deu nova vida ao PSDB, às suas proposições e a suas lideranças, as quais haviam saído fundamente debilitadas das eleições presidenciais. Destarte, a nefasta falta de originalidade e de audácia do PT atuou no sentido de revigorar as teses e práticas propugnadas pelo PSDB emprestando, assim, ânimo redobrado aos quadros e tradicionais eleitores peessedebistas. A isso se soma, também, o apoio ao PSDB de uma parte do corpo eleitoral desencantado com as atitudes conformistas do PT.

Por fim, e de certa maneira vinculada ao tópico acima apontado, temos como que uma antecipação da polarização esperada para 2006 com respeito às eleições presidenciais. Teríamos, assim, de um lado, o PT e seus aliados mais firmes a lutarem pela reeleição de Luiz Inácio da Silva, e, de outro, sob a liderança de FHC, uma candidatura do PSDB e seus aliados, candidatura essa ora disputada pelo próprio FHC e pelos governadores de São Paulo e de Minas Gerais.

Quanto ao PT há ainda a lembrar que se desenha seu avanço nas cidades pequenas e médias, localizadas no interior, evento esse tradicionalmente observado com respeito ao partido detentor do poder central; de outra banda, segundo se anuncia, o PT sofrerá algumas importantes perdas eleitorais, ou deixará de somar ganhos, em várias cidades de grande porte. Tais perdas favorecerão, sobretudo, o PSDB; ademais, podem elas ser atribuídas, basicamente, à política econômica adotada pelo governo federal e ao descaso do presidente da República e da cúpula dirigente do PT quanto à efetivação das promessas e compromissos assumidos pelo partido no correr de sua história.

Enfim, por mais expressivo que se queira o quadro delineado neste período entre os dois turnos das eleições municipais, deve ele ser entendido, em face dos raciocínios acima expendidos, como episódico.

Há uma tendência no sentido de uma depuração quanto ao número excessivo de partidos hoje existentes? Sim, não há dúvida quanto a isto. É possível dar-se no Brasil um processo do qual resulte uma bipartidarização? Sim, embora não nos pareça provável que tal decantação venha a definir-se em curto espaço de tempo. Tais questões não estão em jogo, os argumentos aqui argüidos dizem respeito, tão-só, a dois pontos bem específicos: de uma parte, não parece correto afirmar que esteja a ocorrer uma bipolarização cujo caráter possa ser tido como definitivo e acabado; de outra, não se pode garantir a hegemonia tácita do PT e do PSDB, nem a irremediável depauperação do PFL e do PMDB, sendo de notar, ademais, consideradas as eleições municipais ainda em curso, o avanço do PSB e a manutenção da expressividade, entre outros, de partidos como o PDT, o PP e o PTB.
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