16.9.04

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O PT E O ARDIL DA DESRAZÃO
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, setembro de 2004
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Ao dar continuidade à política econômica do governo anterior e ao adotar os mesmos comportamentos oportunistas e fisiológicos finamente burilados e aperfeiçoados pelo PSDB e pelo ex-presidente FHC, o PT e o atual presidente da República formularam uma interessante equação político-ideológica que se coloca, como um avantesma, a alguns honestos e sinceros homens de esquerda. Vejamo-la.
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Ao esposar as aludidas política econômica e práticas indecentes, o PT emprestou novas forças ao derrotado PSDB e revigorou a sempre presente candidatura de FHC à presidência da República. Ora, reza a equação, uma vitória do PSDB em 2006 poderá acarretar um forte e rápido avanço do país pela trilha neoliberal, elevando-se, assim, o risco de se ver privatizado o pouco que resta do patrimônio nacional (CEF, BB e Petrobras, por exemplo). Destarte, é preciso apoiar o PT e a reeleição de Luiz Inácio da Silva a fim de evitar o mal maior.
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Em suma, é necessário aceitar a política econômica e os métodos desenvolvidos pelo PSDB, ora aplicados pelo PT, para impedir que tal política e tais procedimentos venham a ser retomados em grau ainda maior por um futuro governo do PSDB. Ou, em outros termos, deve-se prestigiar o atual "PSDB", que está no poder transvestido de PT, para impossibilitar a retomada do poder pelo autêntico PSDB; ou ainda: só nos resta tornarmo-nos peessedebistas para combatermos eficientemente o peessedebismo! Estejam onde estiverem, Stalin e Mao Tsé-Tung devem sorrir de inveja de um engodo tamanhamente colossal.
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Enfim, e aqui a opção trágica posta pela anunciada equação mostra-se em sua inteireza: é forçoso renunciarmos às tão esperadas e desejadas mudanças, impõe-se o abandono definitivo das tradicionais propostas da esquerda.
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Para as vítimas da armadilha embutida na formulação em análise, a única maneira de continuar sendo de esquerda está em aderir ao projeto neoliberal desenhado e implementado por FHC e pelo PSDB. Vale dizer, para provarmos que somos bons adeptos do pensamento de esquerda devemos nos transformar em pessoas de direita!
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A falácia presente neste reles "ardil da desrazão" é evidente. O risco não está na "volta" do PSDB, mas na continuidade de sua política de capitulação ao grande capital financeiro, no abandono das muito esperadas políticas capazes de mudar o perfil brutal de uma sociedade despudoradamente desumana e na aceitação de um programa de corte neoliberal no qual a preocupação com os despossuídos reflete-se, tão-só, numa coleção caótica e inoperante de meras intenções assistencialistas. O resto, como diria Marx, é saliva, conversa mole na qual se especializou o atual presidente da República, que fica a remoer uma lengalenga sentimentalóide incoerente e inconsistente.
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Em face de tal quadro é necessário afirmar com todas as letras que o pensamento político de esquerda autêntico e legítimo requer uma clara e decidida condenação do governo petista, de seus programas e de seus métodos.
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Mas, dirão alguns, tal postura levar-nos-á ao isolamento e restringir-nos-emos a um minúsculo grupo desorganizado, sem estrutura partidária e sem uma troca contínua e sistemática de informações e idéias. Sim, tudo isso é verdadeiro e corresponde à realidade com a qual nos defrontamos. Mas esta é a parte que nos toca e dela se infere a dimensão efetiva das tarefas a executar. A alternativa está em renegar nossas idéias e aspirações, está no esquecimento de um sonho, em larga medida utópico, de há muito concebido e calcado na dimensão humana que reside numa espécie predatória largamente dominada por interesses mesquinhos, mas igualmente integrada por espíritos generosos capazes de pensar projetos aparentemente irrealizáveis e de enfrentar desafios tidos, à primeira vista, como intransponíveis.
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15.9.04

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UMA DERROTA SALUTAR, PORÉM INÚTIL
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, setembro de 2004
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A atual prefeita de São Paulo, embora esteja a desenvolver uma administração bem aceita pelos munícipes sem maiores posses e de baixa renda, provavelmente não se reelegerá, pois as camadas médias, crescentemente, têm-se afastado da candidata do PT.
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Dois componentes principais aliam-se para determinar tal insucesso, o qual representará expressiva perda política para Luiz Inácio da Silva e seu partido.
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Por um lado, comparecem a desastrosa política econômica adotada pelo governo Federal e as atitudes oportunistas e fisiológicas assumidas pelo presidente da República e as lideranças petistas, por outro, contabiliza-se o forte desgaste político da prefeita paulistana com respeito à classe média e aos assim chamados formadores de opinião.
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Esta incompatibilidade deve-se à arrogância pueril da prefeita e à adoção de duas novas taxas, cujo impacto econômico é absolutamente desprezível, mas que contaram com a decidida repulsa das camadas médias.
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Tentando remediar as provocações gratuitas dirigidas aos mais abonados, a prefeita deu início a obras as quais, imaginou, seriam vistas com simpatia pelos que a criticavam. Não obstante, observada a ótica política, as providências implementadas pela Prefeitura representaram mais um fracasso, pois a existência de várias obras tocadas ao mesmo tempo contribuiu para atravancar ainda mais o já caótico trânsito da cidade e com referência ao qual as aludidas camadas sempre se mostraram muito susceptíveis.
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A desenfreada corrida para entregar as obras antes do prazo previsto evidencia as dimensões do estrago eleitoral devido às ações atabalhoadas patrocinadas por uma prefeita atarantada.
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Enfim, arrogância, taxas sem peso econômico, mas altamente antipáticas e certamente inconstitucionais, somaram-se a uma tentativa mal costurada de cortejar a porção economicamente mais bem aquinhoada do eleitorado. Disso tudo, resultou o aumento da taxa de rejeição da candidata petista e uma significativa alta na porcentagem das intenções de voto concernentes ao candidato José Serra (PSDB), o qual também se tem beneficiado da "antecipação" da migração de votos, antes direcionados a Paulo Maluf (PP) e a Luiza Erundina (PSB); ou seja, como afirmam os cronistas políticos, o segundo turno já começou.
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Ainda no que tange à causa maior da esperada derrota do PT em São Paulo – qual seja, a perda de apoio de importante parcela das camadas médias – deve-se lembrar que tal parcela se compõe de dois segmentos bem distintos. Num primeiro grupo, menos numeroso, estão os elementos mais politizados, os quais se mostram grandemente ressentidos com o governo federal e com as posturas que passaram a caracterizar a cúpula dirigente do PT e a marcar indelevelmente a figura do presidente da República depois da vitória que o conduziu ao governo federal. Para esse conjunto, politicamente mais sofisticado, as eleições municipais não podem ser avaliadas em termos meramente administrativos, mas devem ser vistas segundo uma perspectiva eminentemente política, pois se apresentam como a oportunidade para ser explicitado o repúdio com relação à capitulação do governo federal aos ditames do FMI e aos interesses do sistema financeiro nacional e estrangeiro. No segundo subconjunto, bem mais fornido de eleitores do que o primeiro, encontram-se os integrantes da classe média simplesmente descontentes com a prefeita paulistana: com sua prepotência, com a criação de taxas e com os desencontros observados na condução das obras viárias empreendidas afoitamente pela municipalidade.
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De toda sorte, a muito provável vitória de José Serra não será, do ponto de vista político, de grande valia para o PT, nem servirá para reconduzir o partido ao leito abandonado de há muito, pois, enquanto a candidata derrotada se verá tentada a atribuí-la à política econômica do governo federal, os membros deste último tenderão a afirmar que a catástrofe eleitoral na cidade de São Paulo deveu-se à inabilidade político-administrativa da atual prefeita.
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Já os desarranjos a serem observados nos planos petistas quanto às eleições de 2006 serão de somenos, pois todos os interessados – Marta Suplicy, Aloizio Mercadante, José Dirceu e Luiz Inácio da Silva – são farinha do mesmo saco. Luiz Inácio continuará tranqüilamente à frente da campanha já em desenvolvimento por sua reeleição, Mercadante e Marta lutarão pela candidatura ao governo do Estado, José Dirceu talvez seja tentado pelas eleições presidenciais de 2010.
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Assim, o fato de Marta Suplicy não chegar a um segundo mandato será bem-vindo, pois demonstra um corpo eleitoral capaz de reagir a afrontas, mas, infelizmente, será de pouca utilidade, pois não terá o condão de alterar a política econômica e as práticas condenáveis abraçadas pelo presidente da República e pela cúpula petista.
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Quanto ao campo do PSDB talvez se dê a acomodação de José Serra, o qual poderá rever sua pretensão de candidatar-se à Presidência da República em 2006, cadeira essa ora disputada pelos três pré-candidatos cujas campanhas já foram lançadas: o governador de Minas Gerais, o apoucado titular nominal do governo paulista e o indefectível ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
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É este o insosso deserto que se abre à nossa frente. Devemo-lo, em grande medida, ao estelionato eleitoral perpetrado pelo PT e por Luiz Inácio da Silva nas últimas eleições presidenciais.
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